Cortesia
de wikipedia e jdact
Elena
«(…) Porque a mãe não me contou, não me ligou?,
questiono, um pouco magoada, sentindo-me meio deixada de lado. Estou contando
agora, Elena. Acabamos de confirmar. Meu pai faz uma pausa, antes de completar:
e a Ana não sabe que liguei. Ela quer fazer isso, mas está esperando a sua hora
de folga com as crianças aí. Nova pausa, agora um pouco mais longa. Além do
mais, a sua mãe não vai pedir para voltar. Enrugo a testa. Não sou capaz de
compreender a intenção do meu pai ao expor essa opinião tão descontextualizada.
Bom, pelo menos eu acho que ela está fora da pauta principal. E porque ela
faria isso, de qualquer modo?, indago, confusa. Além do facto de temerem pela minha
saúde e integridade física, quero dizer. Filha, estamos contentes com a chegada
dos bebés. Muito mesmo. Mas a alegria seria maior se a gravidez não fosse de
risco. De risco?, repito, começando a visualizar a situação, o que faz meu
peito disparar. Sim. Bastante. A médica quer que a sua mãe tenha cuidado,
cumpra uma série de orientações e fique em repouso. Total. Então meu pai pára,
puxa o ar com força e desfere o golpe final: Elena, ela precisa de si por
perto, mesmo que seja duro demais para admitir. Portanto, por favor, volte para
casa. Fique em Perla pelo menos até que tudo tenha dado certo.
Fecho os olhos enquanto ouço o
apelo feito por meu pai. Evidente que largar o trabalho na Nigéria vai ser
difícil. Eu me sinto útil tendo uma causa nobre para defender. Porém, ficar ao
lado da minha mãe, da família inteira, aliás, nesse momento tem um quê mais
importante, essencial. Sou capaz de qualquer coisa por ela. Jamais me negaria a
ser um porto seguro para Ana. Conte comigo, pai. Estarei aí em breve, informo,
motivada por saber que os reencontrarei em breve. Além disso, vou ter irmãos! Óptimo!
É uma filha maravilhosa. Meu pai me elogia, como eu previa que ele faria.
Sempre fui a filhinha do pai. Ah! Só mais uma coisa: a sua mãe vai ligar mais
tarde. Não conte a ela a nossa conversa, certo? Senão dona Ana fica zangada
comigo. Concordo, achando graça. Sei que muitos casais enfrentam atritos para manter
os seus casamentos. Nesse caso, posso-me considerar uma tremenda sortuda. Meus
pais adoram-se. Não. Muito mais até. O que vejo entre eles é um amor tão grande
que desconfio ser único, impossível de haver outro igual, mesmo para mim. Desligo
o telefone, tranquila e animada. Amigos, vou
ter irmãos! Esse pensamento não sai da minha cabeça. E logo, logo
estarei em casa.
Luka
Não tenho muitas questões a
resolver em Perla. Prefiro manter-me distante. Confundo as pessoas com as minhas
atitudes e os meus pensamentos, mas é assim que eu sou. Gosto da liberdade, mas
a família não é capaz de compreender isso. Então, fingem que me aceitam e eu
finjo que não percebo. Nunca fui um sujeito muito sociável, excepto na infância,
embora o meu temperamento explosivo vivesse manifestando mesmo naquela época.
Com o passar do tempo, ele só ficou pior.
Em vez de me corrigir com uns
bons tabefes, ela assustou-se. Desse dia em diante, foi ficando fácil agir com
rebeldia. Aliás, rebelde passou a ser o meu nome do meio. Tentaram abrir os meus
olhos. Várias pessoas. Mas um adolescente cheio de hormónios não estava a fim
de escutar. Eu queria chocar, mostrar a todos que estava lixando-me para os
conceitos e as obrigações. Fui-me tornando um ser intratável. Até perceber que
não dava para viver assim a vida inteira. O facto é que tive que aprender a
virar homem. Aos 20 anos, não poderia depender do dinheiro da família e usá-lo
como meio de realizar as loucuras nas quais eu me envolvia. O acidente foi o
marco, o sinal de que eu tinha de mudar antes que perdesse com tudo, de vez. Consegui
entrar na faculdade, ainda que atrasado, e fiz administração, apesar de,
intimamente, preferir ter cursado música. Mas não dá para viver das gorjetas conquistadas
nas apresentações em barzinhos. Isso hoje se tornou um hobby, e não meu ganha-pão. No entanto, ter curso superior, um
trabalho que me sustenta não fazem de mim um pessoa sociável e familiar, desses
que telefonam todas as semanas e fazem questão de estar presente nos almoços de
domingo. Não tenho paciência com a minha família. Falo com aminha mãe uma vez
por mês, e olhe lá! Com as minhas irmãs, sou um pouco mais atencioso. Mas,
quando vou a Perla, faço questão de não ver ninguém. Só que não desta vez. Amo
as minhas irmãs e sou capaz de tudo por elas, ainda mais depois..., daquilo.
Portanto, aqui estou eu: a caminho do inferno chamado reunião de família». In
Marina Carvalho, Elena, a filha da princesa, Galera Record, 2015, ISBN
978-850-110-492-2.
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