«(…) Foi impossível não notar o
duplo sentido da frase. Nos últimos tempos, os nossos olhares andam mais
constantes e explícitos. Porém, por prudência, neste momento é melhor
ignorá-los. Ah, Dimitri. Sabe. Quem não se apaixona pela leitura depois de ser devidamente
apresentado a ela? Sorrimos um para o outro. Eh... Ele hesita. Não consigo
interpretar o motivo. Precisa de dar um saltinho há sede do acampamento. A
Ekaterina disse que o seu pai telefonou e vai voltar a telefonar daqui a alguns
minutos. Franzo a testa. Nós sempre nos falávamos, digo, meus pais e eu. Mas
não é comum eles me ligarem no meio do dia. Ele adiantou o assunto? Dimitri
balança a cabeça, negando, claro. Pergunta mais tonta a minha! Vai lá. Eu fico
aqui na sala enquanto conversa com o seu pai. Passo por ele, mas paro antes de
sair para lhe dar umas palmadinhas nas costas. Não se deixe dominar pelas
crianças. Elas podem ser bem persuasivas, quando cismam. De olhos arregalados,
Dimitri exibe um sorriso frouxo. Coitado..., o forte dele são as construções,
não pessoas com pouco mais de um metro de altura.
Pai! Aconteceu alguma coisa? Eu
mal havia atendido o telefone e já queria entender logo o porquê dessa ligação
fora do horário de costume. Olá, filha, responde ele, sempre com aquela voz que
minha mãe vive chamando de sensual. Mesmo com seus quase 50 anos, Alexander
Jankowski, meu amado pai, continua um gato, para alegria e deleite da princesa
Ana, da Krósvia. Em primeiro lugar, preciso dizer que estamos com saudade. Eu também. E é verdade. A
cada dia, fica mais difícil suportar a distância. Sinto falta de tudo, das
pessoas queridas e do clima agradável de Perla. Por outro lado, temos muito
orgulho da minha princesa. Meu pai revela, meio emocionado, mas lutando para
não demonstrar o seu lado manteiga derretida. O pai sabe ser durão. E é
esse orgulho, junto à certeza de que escolheu um caminho muito louvável, que
até agora me impediu de apanhar o primeiro avião e trazê-la de volta à força. Rimos
juntos. Conhecendo, sei que é bem capaz de fazer isso mesmo. Quantas vezes já tentou
o herói protector por cima da mãe, hein? Por um instante, o meu pai fica mudo.
Em seguida, informa: é por causa dela que estou ligando a essa hora, Elena. Sinto
um frio na barriga. O que houve com a minha mãe? Ela... Ela..., Está bem. Na
verdade, filha, a notícia é boa. Bom..., em termos. Ai, pelo amor de Deus! Porque
o meu pai resolveu ser tão reticente? De repente, descobrimos que vai ter um
irmão. Eu? Um irmão?! Como assim? Quero dizer, é de conhecimento, público até,
que a minha mãe tentou, ao longo de anos, engravidar de novo, sem sucesso, infelizmente.
Ou uma irmã. Mas... Eu não entendo. Os médicos não disseram que a probabilidade
de uma nova gestação era quase nula? Pensei que..., pensei que..., tinham desistido.
O meu pai solta um suspiro longo
e profundo. Eu, do outro lado da linha, sou só confusão. A ligação não caiu
ainda. Desistimos mesmo. E paramos de nos preocupar. Faz tempo que não usamos
nenhum método contraceptivo. Que constrangedor ter esse tipo de conversa com o
próprio pai. Eu preferia ser poupada dessa informação. Quero dizer, claro que
eles mantinham activa a chama da paixão, para não usar termos mais explícitos.
Óbvio que a opção mais tranquila para mim é ignorar esse detalhe solenemente. Então,
a sua mãe começou a sentir mal-estar todos os dias pela manhã. Chegamos a
pensar que fosse um problema estomacal ou coisa parecida. Desde quando? Faz um
mês mais ou menos. Uau! Que coisa! Meu pai continua: ela foi ao médico e, bom,
descobrimos a existência do bebé. Dos bebés, melhor dizendo. Esqueci de dizer
que são dois. Seus irmãos. Ou suas irmãs. Meus olhos encheram-se de lágrimas.
Que impressionante! Aos 43 anos, a minha mãe, finalmente, realiza um de seus
maiores sonhos, e eu, por tabela, estou sendo presenteada também». In
Marina Carvalho, Elena, a filha da princesa, Galera Record, 2015, ISBN
978-850-110-492-2.
Cortesia de GaleriaR/JDACT