«(…) Com um
enorme suspiro, pois não havia palavras que exprimissem o profundo alívio, e o
amor arrebatado que sentia pelo seu velho amigo, apoiou-se no seu peito,
deixando que ele lhe abraçasse o corpo trémulo. Agitada por soluços, molhou com
as suas lágrimas escaldantes a capa de Robin que a abraçou com força e lhe
falou num apressado murmúrio, sabendo ambos que aquele instante furtivo em
breve terminaria. Tratam-vos bem?, perguntou. Bastante bem, Isabel fungou,
retomando por fim a compostura. E a vós?, espreitou-o à luz vacilante da vela. Robin,
estais tão magro, - tocou-lhe a face encovada. A comida que nos trazem é
boa, mas tenho estado adoentado nas últimas semanas. Não o disse, porém
Isabel adivinhou que o seu abatimento se devia à execução de seu pai e irmão
mais velho. Lamento o sucedido a vosso pai e a John. Como estão os outros? Os
meus irmãos estão bem. A prisão não é tão horrível quando se está em companhia da família, mas
a mim mantêm-me isolado numa cela por baixo daquela em que eles se encontram.
Os Dudley tinham sido encarcerados pela sua participação na
frustrada conjura para colocar no trono lady Jane Grey, com intenção de que Guilford,
seu próprio filho e marido desta, fosse coroado rei. Talvez que, reflectiu
Isabel em voz alta, o facto de haverdes sido o único dos vossos irmãos a
proclamar Jane rainha, na praça de King’s Lynn, tenha ofendido Maria o
suficiente para vos mandar isolar. Que importa!, exclamou Dudley apartando-se
relutante do abraço de Isabel e segurando-a a alguma distância. Dizei-me como
estais. Se alguma vez alguém esteve preso injustamente, esse alguém fostes vós.
Era verdade. O seu próprio encarceramento era o resultado da revolta do jovem
Thomas Wyatt, que, no seguimento da sublevação dos Dudleys se tinha oposto ao
noivado de Maria com Filipe de Espanha, um príncipe estrangeiro. Mas não será
lógico que Maria julgue que eu fui cúmplice, Robin? O objectivo da conjura era
depô-la e colocar-me a mim no trono. Sem escutar as razões da própria irmã? Escrevi-lhe várias
cartas, implorei-lhe audiências e nenhuma delas foi respondida ou concedida.
Aquele maldito espanhol De Quandra, sempre me odiou.
Envenena-lhe o espírito contra mim. Porém, nunca encontrarão
prova fiável do meu envolvimento na intriga do pobre Wyatt. E quem necessita de
uma prova fiável?, murmurou Robin com desalento. É mais provável morrermos
pelas palavras falsas do inimigo do que por acusação verdadeira. O terrível
lamento ergueu-se mais uma vez das entranhas da prisão, ecoando na escada
escura, como que para recordar aos dois jovens prisioneiros qual seria o seu destino.
E as corridas das ratazanas junto aos pés, fê-los estremecer de fria
repugnância. Não deveríamos apagar a vela? Se nos encontram juntos aqui, será o
nosso fim.
Dudley lançou-lhe um olhar desesperado e apagou a vela. A
escuridão abateu-se sobre eles como uma cortina de veludo negro que,
paradoxalmente, em lugar de amortecer os sons, antes parecia amplificá-los.
Temiam que a própria respiração os pudesse denunciar, de modo que se abraçaram
de novo. Isabel teve de imediato a consciência da proximidade do corpo de
Robin, do calor húmido do seu hálito junto ao rosto, da mão que lhe segurava a cintura, unindo-os como as flores do mesmo ramo. Porém, o que mais
a sobressaltou foi o formigueiro que sentiu entre as coxas e que a fez ficar
tão afogueada que imaginou poder Robin notá-lo, mesmo na escuridão. Logo foi
possuída por um sentimento de culpa e vergonha.
Como vão as coisas com Amy?,
perguntou então. Imaginou
sentir que o abraço de Robin afrouxara um pouco,
como se a pergunta sobre a esposa deste lhe tivesse suscitado remorsos. Mas a voz dele era firme, quando lhe respondeu: há
quinze dias atrás, permitiram-lhe a ela e as esposas de meus irmãos que nos visitassem. Teme pela minha vida e... Fez uma pausa, como
se não desejasse dar a conhecer o pensamento:
sente muito
a minha falta. Isabel alegrou-se uma
vez mais por estar ao abrigo da escuridão que impedia o amigo de lhe ver a
emoção gravada no rosto. Ciúmes, disse, incrédula, para consigo mesma. Tenho
ciúmes de Amy Dudley! Isabel, ouviu Robin sussurrar. Isabel, sinto-me um traidor
ao dizer-vos isto, mas à parte
o alívio que me trouxe ver um rosto amigo
e a gratidão que senti pela comida e presentes que Amy me trouxe, a sua presença pouco me comoveu. Não me atrevi a admitir que raramente pensava nela ou sentia a sua falta e que já não me agradava...,
fazer amor com ela. Isabel
tardou em encontrar resposta para as inesperadas palavras de Robin, pois sentira enorme alívio e uma estranha alegria com aquela
triste confissão. Recordava-se que, apenas três anos antes, por alturas da Primavera, fora
testemunha do casamento de Robin
e Amy. Como pareciam apaixonados e que belo casal formavam». In Robin Maxwell, O Diário Secreto de Ana Bolena,
Planeta Editora, colecção Tudor 1, 2002, ISBN 978-972-731-131-6.
Cortesia de
PEditora/JDACT