As
Lágrimas do Papa
A Fundação Meyer.
O escritório
«(…) Em seguida, o motorista
tirou um cigarro do maço. Sentou-se confortavelmente para esperar, acomodando-se
no banco. A chuva embaçou o para-brisa. O homem tragou o cigarro, pensou em
Francis Marlane..., e em Mosèle. Suspirou, soltando uma nuvem de fumaça
azulada. O que quer que tivesse feito, o que quer que tivesse de fazer de pior,
de mais horrível, ele o faria sem remorsos. Metodicamente. Profissionalmente. Para
que ninguém jamais soubesse... Jamais!, murmurou. Pois é o futuro da Igreja que
está em jogo.
Entre! Vamos directo
ao meu escritório. Ali ficaremos mais à vontade e não corremos o risco de
acordar Léa. Peço que me desculpe... Sei que não é hora de... Perca a mania de
sempre se desculpar a respeito de tudo! Dê-me a sua capa. Disse-me que eu
poderia apelar para si em caso de necessidade. Achei que lhe deveria contar
imediatamente a respeito de Francis Marlane..., do desaparecimento dele. Desaparecimento?
Ele não foi para Jerusalém? Achei que o havia mandado para uma missão junto ao
reitor da Escola Bíblica!
Mosèle afundou-se
numa poltrona indicada pelo homem gordo, enquanto Hertz preferiu sentar-se numa
cadeira que estalou sob o seu peso. Martin Hertz havia enfiado um roupão
surrado de veludo, amassado, de cores berrantes. Uma coisa aconchegante. Como
uma segunda pele confortável, na qual gostamos de entrar para encontrar o
próprio odor, um contacto familiar. Quer tomar alguma coisa?, ofereceu Hertz. Conhaque,
uísque? Tenho um nesse barzinho que é muito bom. Sim, uísque, obrigado.
Obrigado, Martin. Desculpa-se e agradece o tempo todo. Acha que incomoda os amigos?
Mosèle suspirou e esboçou um leve sorriso. Poderia dizer a Martin Hertz o quanto
ele o impressionava? Em todos os encontros, tivera a sensação de estar diante
da reencarnação do pai! Achava-se pequeno diante dele e perdia uma boa parte
das suas faculdades intelectuais, só de pensar que Hertz tinha um cérebro
excepcional. Ou será que a timidez se devia ao facto de ter sido Martin Hertz,
então Venerável da Loja Eliah, que o iniciara com Marlane?
Incomoda-se se eu
fumar este magnífico Partagas corona? Meu grau de atenção aumenta com um
charuto no bico..., fingiu pedir Hertz, tirando, como por magia, um estojo de
couro de um dos bolsos do roupão. Por favor. Ritual do charuto. Hertz nunca
conseguia começar uma conversa importante sem consagrar um tempo a esse tipo de
prelúdio, quando parecia concentrar a sua atenção exclusivamente na embalagem,
no perfume intenso, no toque sensual do seu corona. Silencioso, atento ao seu
próprio prazer, Hertz só acendia o charuto depois de encaminhá-lo. Então,
esticando as pernas curtas, quase fechando os olhos, o queixo gordo caindo
sobre o peito como um sapo enorme prestes a adormecer, disse: sou todo ouvidos!
E, na realidade, era o que fazia. Ouvia. Ouvia com todo o corpo, com toda a carne,
impregnando-se não só das palavras que lhe confiavam, mas também, e sobretudo,
das emoções que o interlocutor deixava transparecer. Ele ouvia, à espreita do
menor suspiro, de um ligeiro gaguejar significativo, de uma pausa não habitual
ou incongruente no discurso. Mosèle começou o relato. Enquanto falava, retomando
todo o histórico dos acontecimentos que tinham levado Marlane a uma provável
morte, Mosèle não tirava os olhos do rosto gordo e imóvel de Hertz. Nenhuma
expressão, nada que pudesse trair os seus sentimentos.
Eram quase 2 horas.
Apenas uma simples
lâmpada halógena de brilho fraco iluminava o escritório de Martin Hertz. O
charuto inacabado havia sido abandonado num cinzeiro. Concluído o relato,
Mosèle aguardou as reacções do velho mestre. Hertz ergueu o queixo. Os pequenos
olhos pretos fixaram por um longo tempo o amigo, e havia muita doçura naquele
olhar apertado. Ele o
teria mandado matar? Ele... Teria
ele dado a ordem de
eliminar Francis...? É o que eu acho, Martin. O segredo pertence a ele! Hertz levantou-se
com dificuldade da cadeira. Dirigiu-se para a biblioteca que ocupava uma das
paredes e que se parecia com um magnífico armário inglês. Procurou por alguns
segundos, depois pegou num volume encadernado em couro marrom, manchado em
vários lugares». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do
Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN 978-852-861-550-0.
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