As
Lágrimas do Papa
A Fundação Meyer.
O escritório
«(…) Francis Marlane deu um longo
assobio. Depois de ver as câmaras de depuração e de constatar a sua aparência
de hospital, não esperava encontrar tamanha barafunda. Inicialmente, não
percebeu tudo: detalhes demais para absorver e analisar. Primeiro, a poltrona
de couro. Uma Chesterfield usada, gasta, puída. Presença surpreendente cercada
de computadores de última geração e de máquinas antigas. Fios espalhados por todo
o lado para um inacreditável acumulação de tomadas, plugues e modems. Livros
amontoados em pilhas, jogados... Abertos, escancarados. Toneladas de papéis,
pastas e documentos. Envelopes... Fotografias, uma televisão, duas raquetes de
ténis, uma chaleira e xícaras. Tudo em cima das mesas de trabalho, ou em baixo,
subindo pelos armários abertos ou pelas prateleiras lotadas. E, emergindo dessa
confusão, uma cabeça calva, coroada apenas por uma mecha cinza. Um homenzinho
mal-vestido, com roupa de lã e veludo, ergueu-se para mostrar o rosto de velho
eremita sorridente, todo vincado, todo enrugado, com bolsas sob os olhos atrás
de grossas lentes. Bom-dia, disse o velho. Chamo-me Souffir. Norbert Souffir. E
deve ser o senhor Marlane. Exacto. Marlane virou-se para Mosèle. Conseguem mexer-se
nessa mixórdia?
É claro! Graças aos meus dois
Guardiães do Templo... O primeiro, Norbert Souffir, que acabou de se apresentar,
respondeu Mosèle. E o segundo, Largehead! Mosèle fez um amplo gesto teatral com
a mão. Marlane compreendeu que Largehead,
que ele havia imaginado ser uma máquina colossal e rutilante, era somente
uma tela, diante da qual estava Norbert Souffir. Mosèle percebeu que ele ficara
decepcionado. E explicou em seguida: na realidade, Largehead é uma criatura tentacular que ronca num
lugar refrigerado no subsolo da Fundação e à qual estamos ligados por
terminais. E o computador mais paciente que já encontrei, o mais meticuloso e o
mais instruído do mundo! Sabe todas as línguas: aramaico, grego, latim... Ele conhece-as
quase tanto quanto Norbert. Ele é fera! Souffir tamborilou na sua tela e disse:
isso não impede que Largehead tenha
as suas crises nervosas. Ele está quebrando a cabeça para classificar um
texto sequencial, esburacado como um gruy ère. Ele é incapaz de me dar
uma combinação coerente. Mosèle explicou para Marlane: actualmente, estamos
tentando reconstituir uma tira de admonições que se enfileiram numa sequência
infernal... A516, 517... até A698! A metade desses textos foi comida pelos
ratos da gruta IV de Qumran. Avançamos às cegas.
Damos forma a escritos que, por
enquanto, somos incapazes de interpretar. Um jogo de paciência chinesa, sem
limites! É uma obra bastante prodigiosa, disse Marlane. Já se deram conta de
que estão decifrando os testemunhos dos essénios, alguns deles tendo sido
contemporâneos do Cristo? Um gigante raivo surgiu por trás da parede que
dividia a sala. Um trabalho de formigas, extenuante e difícil! Você é Marlane,
não é? E este é o terceiro membro da minha equipa, o nosso pilar de rugby: Rughters!,
anunciou Mosèle. O Rughters em questão media quase dois metros e exibia os seus
quarenta anos com desenvoltura: cabeça raspada, uma barba curta de brigão,
queixo voluntarioso e, além de tudo, um aperto de mão que esmagou os dedos de Francis
Marlane. O historiador fez uma careta, tentando esboçar um sorriso conveniente.
Quanto ao meu quarto parceiro, acabou de cruzar com ela no corredor, disse
Mosèle. A sua admiradora! Só falta decidir se se juntam à equipa, Francis.
Saiba que já aceitei. Nada
poderia dar-me mais gozo! Eu daria tudo para ver bem de perto os manuscritos do
mar Morto. Tudo..., até a minha alma! Ora, nada de muita ênfase, disse Mosèle. Vamos
apostar somente a pele e não a alma! Seria preciso que tivéssemos uma,
protestou Rughters, rindo. A ciência não demonstrou nada a esse respeito,
professor. Naquela sexta-feira, Francis Marlane, tão cuidadoso, tão ordeiro,
prometeu a si mesmo que precisaria fazer um grande esforço para compartilhar o escritório
de Mosèle e dos seus colaboradores. No entanto, estava pronto para fazer os
maiores sacrifícios. O sonho da sua vida se concretizava.
Mosèle estacionou o carro ao
longo da calçada, a alguns metros da casa de Martin Hertz. Chovera durante todo
o trajecto. Uma chuva fina, densa, oblíqua. Mosèle desceu do veículo e bateu à
porta. Dirigiu-se ao portão que pedia uma boa demão de tinta. Tocou a
campainha. Está aberto!, ouviu-se a voz de Hertz no interfone. Mosèle entrou.
Atravessou um minúsculo jardim descuidado e subiu os seis degraus de uma escada
de pedra que chegava num terraço coberto de cascalho. As venezianas do térreo
estavam fechadas. No entanto, podia-se ver a luz pelas frestas. Ele está no escritório,
pensou Mosèle. O velho bonzo está à minha espera. Mais abaixo, no fim da rua,
uma camioneta branca havia estacionado, não muito longe do carro de Mosèle. Um
homem desceu, munido de um micro fuzil. Ele também se dirigiu ao portão que
ficara entreaberto. Na camioneta, o motorista, com um fone de ouvido, falou em
italiano num minúsculo microfone de gravata: Lorenzo seguiu Mosèle, que está a entrar
na casa de Hertz... Em Sèvres, número 7, rua Jacquard... Sim, sim... Lorenzo vai
gravar a conversa... Nenhum problema... Sim, sinto muito... Nós o perdemos
quando saiu de casa... Vamos fazer como mandou... Agora, esperamos conhecer o
que Mosèle sabe...» In Didier Convard, O Triângulo
Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN
978-852-861-550-0.
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