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Adeus,
Pai
«(…) Depois de tirarmos os pequenos
presentes dos bolsos do pai. Christopher e eu recuávamos, a fim de vermos a
nossa mãe avançar lentamente, com os lábios abertos num sorriso de boas-vindas que
provocava faíscas nos olhos do nosso pai. Este tomava-a nos braços, fitando-lhe
o rosto como se não a visse há pelo menos um ano. Às sextas-feiras, a mãe passava
metade do dia no salão de beleza, a lavar e pentear o cabelo, a arranjar as unhas
e, ao voltar para casa, tomava um demorado banho de imersão com sais perfumados.
Eu aninhava-me no seu quarto de vestir e aguardava que ela saísse da casa de banho
envolta num negligé transparente. Sentava-se no toucador e aplicava
cuidadosamente a maquilhagem. E eu, tão ansiosa por aprender, bebia avidamente com
o olhar tudo o que ela fazia para se transformar de uma mulher simplesmente bonita
numa criatura de tão estonteante beleza que chegava a parecer irreal. O mais espantoso
naquilo tudo era o nosso pai pensar que ela não usava maquilhagem! Acreditava que
a devastadora beleza da mãe era natural. Amor era uma palavra usada e abusada em
nossa casa. Amas-me?... Porque te amo muito... Sentiste a minha falta? Estás feliz
por me ter: de volta? Pensaste em mim enquanto estive fora? Todas as noites? Ficaste
às voltas na cama, a desejar que eu estivesse ao teu lado para te abraçar? Porque
se assim não foi, Corrine, eu preferia morrer... A mãe sabia exactamente como responder
a tais perguntas: com os olhos, com suaves murmúrios, com beijos.
Um dia, Christopher e eu chegámos
da escola a correr, com o vento de Inverno praticamente a empurrar-nos para dentro
de casa. Tirem as botas no vestíbulo, disse a mãe da sala de visitas, onde estava
sentada diante da lareira, a tricotar uma pequena camisola que serviria numa boneca.
Eu pensava que a camisola fosse prenda de Natal para mim, a fim de vestir uma das
minhas bonecas. E descalcem-se antes de entrarem aqui, acrescentou. Tirámos as botas
e os pesados casacos com capuz no vestíbulo. Depois, apenas de meias, corremos para
a sala com o seu espesso tapete branco. Na maior parte do tempo, estávamos proibidos
de entrar naquela sala decorada em tons pastel para realçar a beleza loira da
nossa mãe. Era a nossa sala das visitas, a sala da mãe, e nunca nos sentíamos
realmente à vontade no sofá de brocado cor de alperce ou nas poltronas de veludo.
Preferíamos a sala do pai, com as paredes forradas de painéis escuros e o robusto
sofá em grosso tecido aos quadrados, onde podíamos brincar e lutar sem medo de estragar
alguma coisa. Lá fora está um gelo, mãe!, exclamei sem fôlego, estirando-me aos
pés dela e estendendo as pernas na direcção da lareira. Mas o regresso a casa de
bicicleta foi lindo. Todas as árvores estão cobertas de cristais de gelo em forma
de diamantes, e os arbustos, de prismas de gelo. Lá fora parece um país das fadas,
mãe. Por nada deste mundo eu viveria no Sul, onde nunca neva!
Christopher não falou do tempo nem
da beleza do panorama gelado. Era dois anos e meio mais velho que eu e muito mais
sábio; hoje, sei-o. Aqueceu os pés gelados, como eu, mas fitou o rosto da mãe,
a testa franzida de preocupação. Também olhei para ela, perguntando-me o que vira
ele para ficar tão preocupado. A mãe tricotava com rapidez e habilidade,
lançando olhares ocasionais às instruções do modelo. Mãe, sentes-te bem?, indagou
Chris. Sim, claro, respondeu ela com um sorriso suave e carinhoso. Pareces cansada.
Ela pousou a minúscula camisola. Hoje fui ao médico, declarou, debruçando-se para
acariciar o rosto rosado e frio de Christopher. Mãe!, exclamou ele, alarmado. Estás
doente? Ela riu baixinho, passando os dedos compridos e esguios pelos cabelos loiros
e encaracolados do meu irmão. Não me venhas com isso, Christopher Dollanganger.
Tenho-te visto a olhar para mim com a cabeça cheia de ideias desconfiadas. Em seguida,
pegou na mão do meu irmão e na minha, colocando-as sobre o seu ventre avolumado.
Sentem alguma coisa?, perguntou com aquela expressão misteriosa e feliz a voltar-lhe
ao rosto. Christopher retirou bruscamente a mão, com o rosto muito vermelho, mas
eu deixei a minha onde estava, esperando, tentando adivinhar.
O que sentes, Cathy? Sob a minha mão,
sob as roupas da mãe, algo estranho acontecia. Leves movimentos faziam-lhe tremer
a carne. Ergui a cabeça e olhei para o rosto dela; ainda hoje me lembro de como
parecia tão bela, como uma madona de Rafael. Mãe, o teu almoço está aí às voltas
ou estás com gases. O riso fez brilhar os seus olhos azuis e ela pediu-me para
adivinhar outra vez. Depois, num tom suave e cheio de preocupação, revelou-nos a
novidade: meus queridos, vou ter um bebé no início de Maio. Na verdade, quando fui
ao médico hoje, ele declarou ter ouvido dois corações baterem. Portanto, isso significa
que terei gémeos..., ou, Deus me livre, trigémeos. O vosso pai ainda não sabe, portanto,
não lhe digam nada até eu ter oportunidade de lhe contar». In VC Andrews, Herdeiros do Ódio,
1979, Oficina do Livro, Quinta Essência, 2014, ISBN 978-989-726-144-2.
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