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e cortesia de wikipedia
«(…)
Os cinco conjurados encontraram-se
na quinta abandonada onde era costume reunirem-se. A atmosfera era de júbilo, o
plano desenrolava-se como previsto. Depois de terem violado a grande pirâmide
de Quéops e roubado as maiores insígnias do poder o côvado em ouro e o testamento
dos deuses, sem o qual Ramsés, o Grande, perdia toda a sua legitimidade cada
dia que passava mais se aproximavam do seu objectivo. O assassinato dos
veteranos que guardavam a esfinge de onde partia o corredor subterrâneo, que
lhes permitira introduzirem-se na pirâmide, bem como a eliminação do juiz Paser
eram incidentes menores, já esquecidos. Ainda falta o mais importante, disse um
dos conjurados, Ramsés continua no poder. Não sejamos impacientes. Fala por ti.
Falo por todos, precisamos de tempo para assegurarmos as fundações do nosso
futuro império. Quanto mais preso Ramsés se sentir, incapaz de agir, consciente
da queda, mais fácil se tornará a nossa vitória. Ele não pode revelar a ninguém
que a grande pirâmide foi assaltada e que o centro de energia espiritual, do
qual ele é o único responsável, já não funciona. Em breve, as suas forças
enfraquecerão, ver-se-á obrigado a viver o ritual da regeneração. Quem o
obrigará a isso? A tradição, os sacerdotes e ele próprio! É impossível fugir a
esse dever. No fim da festa, deverá mostrar o testamento dos deuses ao povo! Ou
seja, este testamento que está nas nossas mãos. Então, Ramsés ver-se-á obrigado
a abdicar e entregar o trono ao seu sucessor.
Precisamente aquele que foi designado por
nós. Os conjurados sentiam já o sabor da vitória. Ramsés, o Grande, reduzido a
escravo, não teria alternativa. Todos os membros da conspiração seriam
recompensados segundo os seus méritos e, no futuro, todos ocupariam uma posição
privilegiada. O maior país do mundo pertencer-lhes-ia, modificariam as suas
estruturas, alterariam o sistema e modelá-lo-iam segundo a sua visão,
radicalmente oposta à de Ramsés, prisioneiro de valores decadentes. Enquanto o
fruto amadurecia, eles alargavam a sua rede de relações, simpatizantes e
aliados. Crimes, corrupção, violência... Nada disto os conjurados rejeitavam.
Era esse o preço do poder.
O pôr do Sol rosava as colinas. Àquela
hora, Bravo, o cão de Paser, e Vento do Norte, o burro, deviam estar a apreciar
a refeição servida por Néféret após um longo dia de trabalho. Quantos doentes
teria ela curado, quantos doentes teria ela acolhido na sua casa de Mênfis, com
o escritório de Paser no térreo? Ou teria ela regressado à sua aldeia, na região
de Tebas, para aí exercer a profissão de médica, longe da agitação da cidade? A
coragem do juiz esmorecia. Ele, que dedicara toda a sua vida à justiça, sabia
que a mesma nunca lhe seria feita. Nenhum tribunal reconheceria a sua
inocência. Supondo que saía da prisão, que futuro poderia ele oferecer a
Néféret? Um velho veio sentar-se ao seu lado. Magro, desdentado, com a pele
crestada e enrugada, soltou um suspiro. Para mim acabou-se. Estou muito velho.
O chefe tirou-me do transporte de pedras. Ocupar-me-ei da cozinha. Boa notícia,
hem? Paser abanou a cabeça. Porque é que tu não estás a trabalhar?, perguntou o
velho. Não me deixam. Quem é que tu roubaste? Ninguém. Para cá só vêm os
grandes ladrões. Roubaram tantas vezes que nunca sairão da prisão, pois não
cumpriram o juramento de não voltarem a fazê-lo. Os tribunais não brincam com a
palavra dada. Achas que procedem mal? O velho cuspiu para a areia. — Isso é um
caso complicado! Tu estás do lado dos juízes? Eu sou juiz. A notícia de que
iria ser posto em liberdade não teria espantado mais o interlocutor de Paser. Estás
a gozar? Achas que sim? Esta agora... Um juiz, um juiz de verdade! Olhava-o,
inquieto e reverente. O que foi que tu fizeste?» In Christian
Jacq, A Lei do Deserto, O Juiz do Egipto, 1994, Bertrand Editora, 1996, ISBN
978-972-250-866-7.
Cortesia
de BertrandE/JDACT