Templo de Jerusalém. Agosto, ano 70 d.C.
«(…)
O garoto os repetiu, tropeçando nas
palavras. O ancião o fez repeti-los várias vezes, até que os tivesse decorado
perfeitamente. O som da batalha invadia naquele momento todo o santuário, como
uma inundação. Gritos de pânico, o som metálico das armas, o estrondo da alvenaria
sendo destruída. Matias correu ao longo da sala, olhou através da entrada e
então voltou rapidamente. Eles atravessaram o Portão de Nicanor!, gritou. Não
pode voltar por aquele caminho. Venha, ajude-me!
Dando alguns passos adiante, o ancião
agarrou a haste da menorá e começou a puxá-la e movê-la pelo chão. O garoto
juntou-se a ele, e ambos a moveram um metro à esquerda, revelando uma placa
quadrada de mármore com duas alças de apoio. O sacerdote agarrou-as, deslocando
a placa de mármore para longe, revelando assim uma cavidade escura onde havia uma estreita escadaria de
pedra em espiral que conduzia à mais completa escuridão. O Templo possui muitas
passagens secretas, disse Matias, agarrando o braço do garoto e conduzindo-o
para a abertura, e esta é a mais secreta de todas. Desça os degraus e siga pelo
túnel. Não desvie nem para a direita nem para a esquerda. Será levado para bem
longe da cidade, ao sul, muito além das paliçadas romanas. Mas e quanto a... Não
há tempo! Vá! Agora é a esperança de nosso povo! O sveu nome será Shomer
Ha-Or. Adopte esse nome. Mantenha-o.
Orgulhe-se de tê-lo. Transmita-o. Será protegido por Deus. Mas também julgado. Ele
inclinou-se, beijou o garoto em ambas as faces, e então, colocando as mãos na
sua cabeça, empurrou-o para baixo. Fechou a cavidade com a placa de mármore e,
agarrando a menorá, forçou-a no chão, grunhindo pelo esforço empenhado. Foi
apenas o tempo suficiente para colocá-la na posição anterior e começar a ouvir
os gritos que vinham da entrada, juntamente com o som cortante das lâminas.
Eleazar, o ourives, entrou cambaleante, com uma das mãos decepada e o sangue
jorrando pelo pulso mutilado. A outra mão agarrava o machado com o qual girava
loucamente contra uma muralha de soldados romanos que o perseguia. Por um
momento conseguiu mantê-los
no vão da entrada. Então, com um grito de ordem, eles avançaram, e logo Eleazar
foi dominado, tombando no chão, onde os seus membros foram decepados, e o peito
esmagado. Yahweh! Clamava. Yahweh!
O sumo sacerdote observava com a face
inexpressiva; então virou-se, pegou um punhado de incenso e lançou-o nas brasas
do altar de ouro. Uma nuvem perfumada se espalhou pelo ar. Atrás dele, podia-se
ouvir a aproximação dos romanos, as suas botas com solado de ferro batendo no
chão e o ruído das suas armas ecoando pelas paredes. Tornou-se o Senhor um
inimigo, lamentava-se, repetindo as palavras do profeta Jeremias, devorando
Israel; devorou todos os seus palácios, destruiu todas as suas fortalezas. Os
romanos encontravam-se bem atrás dele naquele momento. E então o sumo sacerdote
fechou os olhos. Ouviam-se risos e o zunido suave de uma espada sendo erguida
no ar. Por um momento o tempo parou; então a espada moveu-se entre os seus
ombros, atravessando-lhe o corpo. Ele cambaleou, caindo de joelhos. Caia o
sangue sobre a Babilónia, disse, tossindo, o sangue borbulhando pelos cantos de
sua boca. Sobre a Babilónia, sobre a Casa de Abner. E, dizendo isso, tombou
morto, com a face no chão, diante da grande menorá. Os soldados chutaram para o
lado o seu cadáver e colocaram os tesouros do Templo sobre os seus ombros,
levando-os do santuário. Vicerunt Romani! Victi Iudaei! Vivat Titus!, gritavam.
Roma venceu! Os judeus foram derrotados! Longa vida a Tito!
Dezembro de 1944. Sul da Alemanha
Yitzhak Edelstein aconchegou seu uniforme
listado de prisioneiro em volta de si e soprou as mãos em forma de concha, que
estavam roxas pela exposição ao frio. Inclinando-se para a frente, tentou
observar o que havia para fora do caminhão, mas conseguiu ver muito pouco por
baixo da aba da lona, nada mais do que apenas a estrada asfaltada, os troncos
das árvores e o pára-choques traseiro. Ele virou-se e pressionou o rosto na
parte rasgada da lona, vislumbrando o terreno íngreme cheio de árvores e
coberto de neve, até que o cano de uma espingarda lhe bateu no tornozelo». In Paul Sussman, O Último Segredo do Templo,
2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN 978-972-253-056-9.
Cortesia de BEditora/JDACT