Templo de Jerusalém. Agosto, ano 70 d.C.
«(…)
Então olhou o garoto com atenção e,
tomando-lhe a mão, conduziu-o adiante, para o final da sala, onde se detiveram
em frente da menorá de ouro, observando os seus braços flexionados e as hastes
meticulosamente decoradas, toda ela forjada com um único bloco de ouro puro,
feita sob as instruções do próprio
Todo-Poderoso. O garoto observava atentamente as bruxuleantes lamparinas, os seus
olhos brilhando como água reflectindo a luz do sol, completamente admirado. Belíssimo,
não é?, disse o ancião, observando o aspecto maravilhado do rosto do garoto e
colocando a mão sobre o seu ombro. Nenhum objecto na Terra é mais sagrado para
nós, nada é mais precioso para o nosso povo, pois a luz da sagrada menorá é a
luz do próprio Senhor Deus. Ainda que isso venha algum dia a se perder para
nós... Ele suspirou e ergueu a mão, tocando o peitoral sagrado, o Efode. Eleazar
é um bom homem, acrescentou, como se fosse uma reflexão tardia. É um segundo
Bezalel.
Por um longo período eles permaneceram em
silêncio, contemplando o magnífico candelabro, o seu esplendor os rodeava e
envolvia. Então, acenando com a cabeça, o sumo sacerdote voltou-se para que
pudesse olhar directamente para o garoto. Hoje o Senhor decretou que o seu templo
sagrado iria ruir, disse ele com calma, como o fez antigamente, neste mesmo
dia, Tish B'Av, há mais de seiscentos anos, quando a Casa de Salomão foi
entregue aos babilónios. As pedras sagradas serão reduzidas a pó, as vigas do
telhado, fendidas, e o nosso povo
será levado ao exílio e espalhado aos quatro ventos. O ancião inclinou-e um
pouco, olhando fixamente os olhos do garoto. Temos uma esperança, David, uma
única esperança. Um segredo, um grande segredo, conhecido por apenas alguns de
nós. Agora, neste derradeiro momento, também precisa conhecê-lo. Ele se
inclinou para o garoto, dizendo em voz baixa e rapidamente, como se temesse que
alguém pudesse ouvi-los, mesmo estando ali sozinhos. Os olhos do garoto
mostravam todo o seu espanto enquanto o ouvia, o seu olhar atento movendo-se do
chão para a menorá e de volta para o chão, e seus ombros tremiam. Quando o
sacerdote terminou, endireitou-se e deu um passo para trás.
Veja, disse, com um sorriso tímido nos
seus lábios pálidos, mesmo na derrota ainda haverá vitória. Mesmo nas trevas
haverá luz. O garoto permaneceu em silêncio; a face expressava a sua confusão,
tomado de perplexidade e incredulidade. O sacerdote se aproximou e tocou no seu
cabelo. Ele já saiu da cidade certa vez, indo muito além da paliçada romana.
Agora deverá novamente deixar toda esta terra, já que a nossa ruína está
próxima, e a sua segurança não poderá ser mantida por muito tempo. Tudo já foi
organizado. Resta somente uma coisa: nomear o guardião, aquele que será o
responsável pelo transporte até ao seu destino final e, lá chegando, irá
esperar a vinda de tempos melhores. David, filho de Judá, foi designado para
esta tarefa, se aceitá-la. Aceita a tarefa?
O garoto sentia o seu olhar atento
erguer-se em direcção ao do sacerdote, como que içado por cordas invisíveis. Os
olhos do ancião eram acinzentados, mas com uma estranha e hipnótica
translucidez, como nuvens passeando por um imenso céu azul. Ele sentia um peso
dentro de si e também uma leveza, como se estivesse flutuando. O que deverei
fazer?, perguntou, a sua voz como que um grasnido. O ancião o observava, olhos
que percorriam todo o seu rosto, explorando cada detalhe como se fossem
palavras num livro. Então, meneando a cabeça, vasculhou a sua veste e retirou
um pequeno rolo de pergaminho, entregando-o ao garoto. Isto irá guiá-lo,
afirmou. Proceda conforme o que está escrito nele, e tudo ficará bem. Ele tomou
o rosto do garoto nas suas mãos. Agora é a nossa única esperança, David, filho
de Judá. Por seu único intermédio a chama continuará viva. Não revele este segredo a mais ninguém. Guarde-o
como a sua própria vida. Transmita-o aos seus filhos, e aos filhos dos seus
filhos, e assim sucessivamente, até que chegue o momento de revelá-lo a todos. O
garoto observava o sacerdote atentamente. Mas quando, mestre?, sussurrou. Quando
saberei que é chegada a hora?
O sacerdote manteve o seu olhar por mais
um momento, depois endireitou-se, virando-se para a menorá; ao olhar fixamente
para a luz bruxuleante, os seus olhos se fecharam gradualmente, como se
estivesse em estado de transe. O silêncio ao redor se intensificava; as pedras no
seu peitoral pareciam queimar como se possuíssem uma chama interior. Três
sinais irão guiá-lo, disse com suavidade, a voz repentinamente distante, como
se estivesse falando de um lugar muito alto. Primeiro: o mais jovem dos doze
virá e na sua mão haverá um falcão; segundo: um filho de Ismael e um filho de
Isaac permanecerão juntos, como amigos, na Casa de Deus; terceiro: o leão e o
pastor serão um, e ao redor do pescoço haverá uma lâmpada. Quando estas três
coisas se realizarem, será chegada a hora. Logo adiante, o véu situado na
entrada do Santo dos Santos parecia ondular-se levemente. E o garoto sentia uma
suave e
fresca brisa tocar-lhe
a face. Vozes estranhas pareciam ecoar nos seus ouvidos, e a sua pele
formigava; havia um curioso odor penetrante e bolorento, como o próprio Tempo,
se o Tempo pudesse ser descrito como um odor. Isso durou apenas um instante, e
então, inesperada e surpreendentemente, ouviram uma grande explosão, um
estrondo do lado de fora, e o clamor de milhares de vozes se levantou em sinal
de grande terror e desespero. Os olhos do sacerdote se arregalaram. É o fim,
disse ele. Repita os sinais comigo!» In Paul
Sussman, O Último Segredo do Templo, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN
978-972-253-056-9.
Cortesia de BEditora/JDACT