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de wikipedia e jdact
«(…) O meu interesse pessoal pelos novos movimentos eclesiais foi
aceso, ou antes, foi reaceso, em fins de 1987. Católico de berço, só
recentemente retornei à prática da fé, após um afastamento de dez anos. Um
sínodo dos bispos católicos do mundo, celebrado em Roma em Outubro daquele ano,
tinha posto em grande evidência a nova proeminência dos movimentos eclesiais;
eles estavam sendo sondados pelo Vaticano como modelos do laicato
pós-conciliar, para serem os protagonistas da Nova Evangelização de João Paulo.
Relatos sobre os novos movimentos, apresentados durante o sínodo, exprimiam as
suspeitas de muitos dos presentes. Sabia-se que estas organizações apoiavam com
verdadeira paixão a nova centralização, exaltando a autoridade do papado de
modo a efectivamente diminuir a autoridade dos bispos. Eles eram considerados
por muita gente como de direita, a favor da linha do Vaticano em matéria de
teologia e de moral. Havia, além disso, a certeza de que a imprensa não tinha
conseguido atravessar o muro de segredo que circunda estas organizações. Isto
explica o facto de a reacção diante dos movimentos ter sido muito mais uma
atitude de perplexidade que de crítica. Os participantes pareciam perguntar-se
qual era o motivo daquela confusão toda. Eu, pessoalmente, estava convencido de
que os movimentos só poderiam ser conhecidos a partir do interior, de dentro
deles.
Era
uma convicção nascida da experiência. Durante nove anos, de 1967 a 1976, eu
tinha vivido dentro do estranho mundo de espelhos de uma destas organizações: o
Focolare. No que concernia àquele movimento particular, eu tinha a vantagem
muito nítida de conhecer tudo por dentro; estava certo de que isto me
forneceria a chave para outros movimentos, como CL e NC. Eu tinha alguns
indicadores que me permitiam identificar certas coisas: culto de personalidade
do líder; uma hierarquia disfarçada mas rígida; um sistema de comunicação
interna extremamente eficiente; ensino secreto em diferentes estágios; uma
vasta operação de recrutamento baseada em técnicas semelhantes às das seitas;
doutrinação dos membros e ambições ilimitadas de influência na Igreja e na
sociedade. O conhecimento íntimo que eu tinha de um movimento fornecia-me uma
chave decisiva para os outros. E muito cedo comecei a identificar paralelos
surpreendentes.
Mas, primeiramente, fui forçado a reexaminar um
dos mais difíceis períodos de minha vida: minha própria filiação ao Focolare, a
dramática ruptura com as suas estruturas e a longa e dolorosa recuperação, após
tentar libertar-me de todas as marcas do movimento em mim. Desde a idade de 17
anos, em 1967, eu tinha sido um membro pleno do movimento, tendo chegado a
fazer os votos de pobreza, castidade e obediência em 1974. Em 1972, juntamente
com um membro mais antigo, havia fundado uma comunidade masculina do Focolare
em Liverpool. Quando deixei a comunidade masculina de Londres, em 1976, depois
de seguir todos os complicados trâmites e processos da saída, eu estava
dirigindo a secção masculina de jovens do movimento no Reino Unido e na Irlanda
(conhecida como a Gen, ou seja, a Nova Geração do Movimento), e era o editor da
revista internacional do movimento, intitulada New City. Nem
eu, nem os meus superiores podíamos supor que em seis meses o movimento teria
perdido todo o poder que durante nove anos tinha adquirido sobre mim, nem que
eu teria rompido todos os laços. Quando ingressei no movimento, era um católico
devoto, de ir à missa todos os dias. Quando deixei, tinha chegado a identificar
de tal maneira o movimento
com a Igreja e com o próprio Deus, que abandonei inteiramente a prática da fé
durante dez anos.
Os profanos,
os de fora, não sabem o que acontece no interior dos movimentos, e, assim,
ninguém pode oferecer nenhuma ajuda aos que tentam readaptar-se ao mundo real.
Alguns ex-membros do Focolare que tive oportunidade de encontrar não tinham
conseguido se libertar completamente da sua influência, mesmo depois de dez ou
quinze anos de afastamento absolutamente total. A minha filiação teve
repercussões por muitos anos. Quando comecei a ver a experiência com um certo
grau de distanciamento e a discutir o problema com alguns amigos íntimos, as
primeiras perguntas que eles me faziam eram invariavelmente as mesmas: Porque
entrou?, seguida imediatamente de E porque saiu? A primeira pergunta
é uma daquelas que continuei fazendo a mim mesmo um milhão de vezes, desde
então. Agora mesmo, com a distância e com toda a vantagem de uma visão
retrospectiva ampla, continua sendo uma pergunta que não é fácil de responder e
que, por conseguinte, não parece valer a pena ser formulada». In Gordon Urquhart, A
Armada do Papa, tradução de Irineu Guimarães, Editora Record, 2002, ISBN
978-850-106-222-2.
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