Leão e Andaluz
Classes sociais em Leão
«(…) As classes sociais que se aliam ou opõem
entremostram-se aqui e ali nas actas do concílio. Peão que tiver casa em solar
alheio paga por ano dez pães de trigo, meia canada de vinho, um bom lombo e
tenha por senhor qual quiser. Aqui identificamos um solarengo, um quase servo
promovido a guerreiro-peão. Além da tributação expressa que se destina ao rei,
há ainda a maquia recebida pelo senhor do solar. Não estamos ainda perante o
peão dos forais dos séculos XII e XIII e mesmo dos peões dos forais da Beira e
Trás-os-Montes de Fernando Magno (segunda metade do seculo XI). O cavaleiro com
casa em solo de outro cavaleiro vá com o senhor do solo duas vezes à junta e tenha
por senhor [ou chefe militar] quem quiser. Estamos perante cavaleiros, oriundos
de homens dependentes, muitos ainda ligados pelas servidões da terra, mas
promovidos a cavaleiros pelas necessidades da guerra. Das transcrições que
fizemos ressalta a classe que está no outro horizonte social e a que pretendem
alçar-se e servem os cavaleiros: a dos possuidores de solares onde habitam
peões e cavaleiros, os senhores do solo, a alta nobreza senhorial. Estes estão do
outro lado da barreira e cedem um pouco para se não perderem os ovos chocados
pelas galinhas camponesas.
O caminho para povoar Leão
A reunião efectua-se expressamente para tomar
medidas que levem a povoar Leão, mas esse povoamento só se alcança através de
cedências sociais e do reconhecimento, não expresso mas tácito, do concelho
preexistente. Atribuem-se-lhe mesmo verdadeiros poderes senhoriais dentro do
alfoz. As decisões chegam ao ponto de sujeitarem o salão ou funcionário
policial régio a esta medida terrível: nenhum salão tome pescado de mar ou rio
nem carnes que vierem a Leão. Se o fizer, desnude-o o concelho, dê-lhe cem
açoites e tragam-no pela praça da-cidade com a corda ao pescoço. Assinale-se, antes
de mais, as dificuldades de abastecimento dos centros urbanos e das explosões
sociais que suscitavam. Repare-se depois que quem resolverá desnudar o salão e aplicar-lhe
a pena de cem açoites é a associação-assembleia ou consilium. Por outro
lado, esta medida demagógica pretende desviar a revolta das massas para um bode
expiatório, deixando a salvo da sua ira os dirigentes e responsáveis (quando eram).
Por último, é de registar que faltam ao concelho conquistas bem mais decisivas:
o direito escrito de cambar (mudar) de dirigentes todos os anos; coutamento (inviolabilidade)
do domicílio dos burgueses (habitantes do burgo), etc.. No entanto alcançam uma
conquista decisiva: em Leão, nas outras cidades do reino e respectivos alfozes,
os pleitos judiciais deverão ser decididos por juízes eleitos, o que parece
equivaler a outorgar a resolução dos problemas internos das cidades e seus
termos ao colectivo dos habitantes.
As tensões sociais atrasam a Reconquista
As marcas de tensão social que então se vivia estão
impressas por toda a parte no documento. Esqueçamos que a tomada de Leão por
Almançor, ocorrida trinta e dois anos antes, é a causa expressa do despovoamento.
Esqueçamos o que poderá acontecer ao salão quando se inflama o caldeirão
popular. Por toda a parte se veiculam as tensões: servos que pretendem escapar
das malhas cerradas da servidão humana homens livres que disputam entre si a
presúria e a repartilha consequente dos territórios cristãos; clero regular que
afronta o clero secular; monges que se rebelam contra os seus abades; nobres
que se opõem ao clero». In António Borges Coelho, Comunas ou
Concelhos, Editorial Caminho, colecção Universitária, Lisboa, 1986.
Cortesia de
Caminho/JDACT