«Para lá de tais vicissitudes, este
importante património natural tem uma história singular que é indissociável da
história da vila de Cabeção e da região onde se situa. Mas a história do Pinhal
reveste-se de um extraordinário alcance porque nela se reflecte toda a dinâmica
da história de Portugal. Numa primeira fase, desde que Afonso II, em 1211, doou
aos freires de Évora o lugar de Avis, para nele edificarem castelo e daí defenderem
e povoarem toda a região circundante, o Pinhal de Cabeção pôde contribuir para
a realização destes objectivos. Depois, quando a Coroa lançou ombros à empresa gigantesca
dos Descobrimentos, esta Mata foi tida como uma reserva de matéria-prima ao
serviço das armadas. No período das guerras da Restauração e das do final do Antigo
Regime, as madeiras do Pinhal foram canalizadas para a defesa militar das praças
fronteiriças. Seria, sem dúvida, a Revolução Liberal que, com a nacionalização dos
bens das Ordens, mais havia de marcar a história deste património
multicentenar, alterando, de forma dramática, a sua relação com a própria vila de
Cabeção.
A abundância de documentos a que tivemos
acesso, provenientes da época que decorre entre a queda do Antigo Regime e o triunfo
da Revolução Liberal, levou-nos a dar especial enfoque à história do Pinhal, durante
o segundo quartel do século XIX. Podemos, assim, constatar que, tratando-se
embora de um período de crise e de controvérsia, ele foi, simultaneamente, um período
de grandes iniciativas e realizações, que se traduziram numa das épocas mais activas
da história desta Mata Nacional. Para tanto, contribuíram a determinação dos governantes,
a perseverança e a actividade de alguns administradores e pessoal da Mata, bem
como a vigilância laboriosa do povo da vila de Cabeção. Os limites cronológicos
deste estudo são, a montante, o final do século XIII e, a jusante, o terceiro
quartel do século XIX. Nele procurámos delinear as principais linhas de rumo que
modelaram a história do Pinhal de Cabeção e, sempre que possível, identificámos
os seus protagonistas. Podemos afirmar que a história inédita deste património multissecular
é apaixonante. A sua divulgação contribuirá, segundo cremos, para o conhecimento
das raízes da nossa identidade e para a tomada de consciência dos valores que herdámos
e devemos preservar.
Na
Idade Média e Antigo Regime
O Pinhal sob o domínio da Ordem
O documento mais antigo que conhecemos,
contendo referências expressas ao Pinhal de Cabeção, como Pinhal da Ordem, data
de 1469, mas é bem provável que a sua ligação à Ordem de Avis seja muito
anterior. De facto, em 1279, já a capela de Cabeção, da invocação de Santa Maria,
se contava entre as capelas fundadas pela mesma Ordem no termo de Avis (as outras
capelas eram as de Cano, Sousel, Benavila e Figueira e, em todas elas, a Ordem de
Avis tinha a prerrogativa de nomear os respectivos curas, que eram sempre freires
da Ordem). Em 1295, o rei Dinis I doava vitaliciamente a sua filha dona Constança
a Quinta de Cabeção e, em data desconhecida, esta propriedade foi doada pela
Coroa à Ordem de Avis, senhora de bens e direitos na região. A importância da Quinta
era tal que, num tombo de meados do século XVI, a própria vila de Cabeção se identifica
como Quinta da Ordem (chancelaria de Dinis I, Direitos, Bens e Propriedades da
Ordem e Mestrado de Avis nas suas três vilas de Avis, Benavila e Benavente e
seus termos, no ano de 1556).
Podemos afirmar que o povoamento e
a defesa da terra foram a razão de ser daquelas doações régias, mas que também a
Ordem militar de Avis se distinguiu pela aplicação de regras sistemáticas de povoamento
nos territórios que dominava. Durante toda a Idade Média, Coroa e Ordem
conjugam-se na prossecução de objectivos comuns, sem esquecer o estabelecimento
e segurança dos caminhos.
Foi a1iás, com este fim que o rei
Dinis I fundou a póvoa de Mora: para cobramento da terre e haverem
mantimento no dito logo os que per aí forem e vierem e esquivar mortes e roubos
e outros males que se em aquela comarca fizeram e faziam.
Foi com intuito povoador que João
I, a 31 de Janeiro de 1405, estando em Montemor-o-Novo, determinou que os sesmeiros
dos lugares de Juromenha e Cabeção, ambos da Ordem de Avis, pudessem mandar
apregoar e fazer éditos pelas respectivas comarcas, citando os possuidores de
bens nas ditas localidades, que ao tempo estivessem ausentes, para os virem aproveitar,
doar, escambar, aforar ou vender, no prazo de quatro meses, sob pena de esses bens
serem distribuídos em sesmaria. Dois dias depois, o mesmo rei dá conta que o
Mestre de Avis, frei Estêvão Rodrigues, se lhe queixara de que a vila de Cabeção
e seu termo, que costumava ser muito bem povoada de gentes e lavradores que lavravam
e aproveitavam bem as herdades, estava então muito despovoada, em virtude da guerra
com Castela». In Maria Ângela Beirante e Cândido Beirante, O Pinhal de Cabeção,
Memória Histórica, Edições Colibri, 2009, ISBN 978-972-772-895-4.
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