quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O Pinhal de Cabeção. Maria Ângela Beirante e Cândido Beirante. «… para cobramento da terre e haverem mantimento no dito logo os que per aí forem e vierem e esquivar mortes e roubos e outros males que se em aquela comarca fizeram e faziam»

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«Para lá de tais vicissitudes, este importante património natural tem uma história singular que é indissociável da história da vila de Cabeção e da região onde se situa. Mas a história do Pinhal reveste-se de um extraordinário alcance porque nela se reflecte toda a dinâmica da história de Portugal. Numa primeira fase, desde que Afonso II, em 1211, doou aos freires de Évora o lugar de Avis, para nele edificarem castelo e daí defenderem e povoarem toda a região circundante, o Pinhal de Cabeção pôde contribuir para a realização destes objectivos. Depois, quando a Coroa lançou ombros à empresa gigantesca dos Descobrimentos, esta Mata foi tida como uma reserva de matéria-prima ao serviço das armadas. No período das guerras da Restauração e das do final do Antigo Regime, as madeiras do Pinhal foram canalizadas para a defesa militar das praças fronteiriças. Seria, sem dúvida, a Revolução Liberal que, com a nacionalização dos bens das Ordens, mais havia de marcar a história deste património multicentenar, alterando, de forma dramática, a sua relação com a própria vila de Cabeção.
A abundância de documentos a que tivemos acesso, provenientes da época que decorre entre a queda do Antigo Regime e o triunfo da Revolução Liberal, levou-nos a dar especial enfoque à história do Pinhal, durante o segundo quartel do século XIX. Podemos, assim, constatar que, tratando-se embora de um período de crise e de controvérsia, ele foi, simultaneamente, um período de grandes iniciativas e realizações, que se traduziram numa das épocas mais activas da história desta Mata Nacional. Para tanto, contribuíram a determinação dos governantes, a perseverança e a actividade de alguns administradores e pessoal da Mata, bem como a vigilância laboriosa do povo da vila de Cabeção. Os limites cronológicos deste estudo são, a montante, o final do século XIII e, a jusante, o terceiro quartel do século XIX. Nele procurámos delinear as principais linhas de rumo que modelaram a história do Pinhal de Cabeção e, sempre que possível, identificámos os seus protagonistas. Podemos afirmar que a história inédita deste património multissecular é apaixonante. A sua divulgação contribuirá, segundo cremos, para o conhecimento das raízes da nossa identidade e para a tomada de consciência dos valores que herdámos e devemos preservar.

Na Idade Média e Antigo Regime
O Pinhal sob o domínio da Ordem
O documento mais antigo que conhecemos, contendo referências expressas ao Pinhal de Cabeção, como Pinhal da Ordem, data de 1469, mas é bem provável que a sua ligação à Ordem de Avis seja muito anterior. De facto, em 1279, já a capela de Cabeção, da invocação de Santa Maria, se contava entre as capelas fundadas pela mesma Ordem no termo de Avis (as outras capelas eram as de Cano, Sousel, Benavila e Figueira e, em todas elas, a Ordem de Avis tinha a prerrogativa de nomear os respectivos curas, que eram sempre freires da Ordem). Em 1295, o rei Dinis I doava vitaliciamente a sua filha dona Constança a Quinta de Cabeção e, em data desconhecida, esta propriedade foi doada pela Coroa à Ordem de Avis, senhora de bens e direitos na região. A importância da Quinta era tal que, num tombo de meados do século XVI, a própria vila de Cabeção se identifica como Quinta da Ordem (chancelaria de Dinis I, Direitos, Bens e Propriedades da Ordem e Mestrado de Avis nas suas três vilas de Avis, Benavila e Benavente e seus termos, no ano de 1556).
Podemos afirmar que o povoamento e a defesa da terra foram a razão de ser daquelas doações régias, mas que também a Ordem militar de Avis se distinguiu pela aplicação de regras sistemáticas de povoamento nos territórios que dominava. Durante toda a Idade Média, Coroa e Ordem conjugam-se na prossecução de objectivos comuns, sem esquecer o estabelecimento e segurança dos caminhos.
Foi a1iás, com este fim que o rei Dinis I fundou a póvoa de Mora: para cobramento da terre e haverem mantimento no dito logo os que per aí forem e vierem e esquivar mortes e roubos e outros males que se em aquela comarca fizeram e faziam.
Foi com intuito povoador que João I, a 31 de Janeiro de 1405, estando em Montemor-o-Novo, determinou que os sesmeiros dos lugares de Juromenha e Cabeção, ambos da Ordem de Avis, pudessem mandar apregoar e fazer éditos pelas respectivas comarcas, citando os possuidores de bens nas ditas localidades, que ao tempo estivessem ausentes, para os virem aproveitar, doar, escambar, aforar ou vender, no prazo de quatro meses, sob pena de esses bens serem distribuídos em sesmaria. Dois dias depois, o mesmo rei dá conta que o Mestre de Avis, frei Estêvão Rodrigues, se lhe queixara de que a vila de Cabeção e seu termo, que costumava ser muito bem povoada de gentes e lavradores que lavravam e aproveitavam bem as herdades, estava então muito despovoada, em virtude da guerra com Castela». In Maria Ângela Beirante e Cândido Beirante, O Pinhal de Cabeção, Memória Histórica, Edições Colibri, 2009, ISBN 978-972-772-895-4.

Cortesia de EColibri/JDACT