terça-feira, 20 de novembro de 2018

Os Reféns. 1147. Assim Nasceu Portugal. Domingos Amaral. «Misturando-se com o povo, atravessaram a almedina, subindo e descendo a muralha exterior de Silves, no mesmo local por onde Mem entrara…»

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Os Reféns. 1147
Silves, Agosto de 1147
«(…) Inimigo vencido, sempre exibido.
Ao verem o chefe morto, os últimos soldados do sufi renderam-se, mas a deposição das armas de nada lhes valeu, pois um a um foram também eliminados, empapando o chão do jardim de sangue vermelho. Para celebrar a vitória, os assassins colocavam as cabeças nos topos das lanças, mas de repente pararam, quando o seu chefe apareceu. Cercai a cidade e não deixeis a princesa escapar!, ordenou Ibn Wasir.
Cautelosos, Mem, Zaida e Maryam mantiveram-se no túnel e só o abandonaram quando a noite chegou. Misturando-se com o povo, atravessaram a almedina, subindo e descendo a muralha exterior de Silves, no mesmo local por onde Mem entrara, à tarde. Depois, atravessaram os arrabaldes, mas a dado momento Zaida disse a Mem que Maryam estava cansada. Ficar é morrer. Temos de fugir, replicou ele. Fizeram-no através dos campos paralelos ao rio Arade, mas quando o dia nasceu tiveram azar. Os soldados que os descobriram eram quatro, dois a cavalo, dois a pé. Patrulhavam a zona à procura deles, pois Wasir não desistira. Rápido, o antigo almocreve tirou uma flecha da aljava e disparou. Um dos cavaleiros tombou morto, Mem atirou uma segunda flecha e o primeiro peão também caiu, mas o outro cavaleiro deu meia-volta e afastou-se, desatando a tocar uma trompeta, enquanto Mem lançava a terceira flecha e matava o último peão mouro. O cavalo!, gritou ele, correndo.
Montou o animal do soldado morto, ajudou Zaida a subir e colocou Maryam no meio dos dois. Apressados, cavalgaram pela floresta, acompanhando o rio e ouvindo os gritos dos perseguidores. Depois de uma pequena elevação, Mem viu finalmente o barco do amigo, mas um grupo de dez mouros estava agora demasiado perto. Vai, vai!, gritou. Mem forçou o cavalo a entrar na água, mas já estavam na mira das flechas, era perigoso continuarem montados. Sem aviso, Mem atirou Zaida e Maryam para a água e depois lançou-se também, sempre com as mãos nas rédeas do animal, para não o perder. O cavalo seria o escudo para os proteger das flechas, que começaram a cair perto deles. Mas não era fácil obrigá-lo a avançar e, como ele tinha de segurar Maryam com uma das mãos, Zaida teria de nadar debaixo de água algum tempo, até perto do barco.
Não consigo, gemeu a princesa. A criança começou a chorar, quando caíram as primeiras flechas incendiárias e foi isso que fez Zaida mergulhar. Porém, o barco continuava longe. Então, Mem largou o cavalo e nadou também, levando Maryam. Estou aqui!, gritou Zaida, tentando acalmar a filha. Quando se juntou a. Zaida, Mem percebeu que era impossível o barco aproximar-se, as flechas podiam atingi-lo. Temos de aproveitar a corrente, disse. Agarrou os braços dela, como se dançassem, e colocou Maryam no meio, deixando a força do rio levá-los. Apesar do pânico da criança, lograram afastar-se, a maré estava a descer, iam para o mar. Mais à frente, o rio alargou e o piloto atirou-lhes uma corda. Não foi fácil subirem a bordo, os soldados continuavam a atirar flechas, e o piloto alarmou-se quando uma delas atingiu a vela. Mer…, vai pegar fogo!» In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.
                    
Cortesia da CasadasLetras/JDACT