140 A. C., numa terra do oeste da Ibéria
chamada Lusitânia...
«(…) As instruções de Afonso aos cavaleiros
Henrique e Raimundo eram simples: reconquistar as partes da Galiza e de
Portucale roubadas pelos mouros. O que fariam admiravelmente, com os dois
borgonheses a granjear grande reputação pelos serviços prestados durante oito
anos, reconquistando território a sul até ao rio Tejo, incluindo a cidade de
Lisboa. Como prova do seu apreço por Raimundo, Afonso, o Bravo,
ofereceu-lhe a mão da sua filha Urraca em casamento e concedeu-lhe o governo da
Galiza como feudo pessoal. O igualmente corajoso Henrique, descendente dos reis
francos pela linha masculina, bisneto do rei Roberto I, filho do duque Henrique
de Borgonha e sobrinho da segunda mulher de Afonso, recebeu em casamento a mão
da filha ilegítima de Afonso, dona Tareja, juntamente com um dote de terras em
Castela. Em qualquer outra era, isto teria parecido um acordo simples, mas
sendo o século XI, nem na própria família se podia confiar, e mal Raimundo se
juntara a Urraca em matrimónio, o sogro descobriu a sua ambição de expandir o
seu recém-adquirido território galego. Assim Afonso, o Bravo, concebeu
um plano astuto para o impedir, atribuindo a Henrique e Tareja uma fatia do
território contíguo, o condado de Portucale,
que, naquele momento, estava sob a suserania de Raimundo. Essencialmente,
Afonso enfraqueceria as pretensões do genro mais ambicioso fazendo de Raimundo
um vizinho imediato do seu primo Henrique, ao mesmo tempo que estabelecia os
territórios de ambos como dependências do seu reino de Castela e Leão. E,
finalmente, algum sentido de ordem tem efeito sobre a região. Pelo menos por
agora.
Entretanto, o Verão de 1096
estava em pleno vigor, e nos reinos flamengos e ducados franceses, incluindo a
Borgonha, reuniam-se exércitos, colocando as selas e partindo para leste na
árdua Cruzada à Terra Santa. Quando a notícia deste mais nobre empreendimento chegou
a Afonso VI, o rei espanhol jurou incondicionalmente dar um contributo pessoal,
mas com os mouros a fazer constantes incursões no seu reino, retomando até
Lisboa, Afonso estava demasiado ocupado com as próprias campanhas em casa para
se aventurar no estrangeiro. Em vez disso, enviaria ajuda à Primeira Cruzada através
do seu confiável genro Henrique, que agiria em seu nome. Aqui, as relações
familiares funcionaram a favor de Henrique (a segunda esposa de Afonso também
era borgonhesa), para não falar da sua educação na iluminada Casa de Borgonha.
Nesta época, o ducado da Borgonha era o epicentro de um renascimento, a encruzilhada
comercial e intelectual da Europa, e dado que Henrique e Afonso eram antigos
alunos deste círculo liberal, ambos partilhavam, sem dúvida, laços
intelectuais, bem como uma visão comum do mundo. Em troca do seu compromisso de
navegar os quatro mil quilómetros até Jerusalém, e em parte para manter o primo
Raimundo sob controlo, o recém-sogro de Henrique concedeu-lhe ainda o governo
da cidade portuária de Porto Cale e do território circundante.
Para um homem que nascera o filho
mais novo, e portanto esperava alcançar pouca riqueza ou herança por título,
Henrique de Borgonha saiu-se bem. Após receber a antiga terra dos lusitanos,
foi-lhe atribuído o título de conde e retirou-se, entusiasmado, para a sua nova
propriedade de montanhas, charneca, costa e florestas, adoptando os costumes
locais, aprendendo a língua portuguesa, mudando o seu nome para conde dom
Henrique, em sinal de respeito. Em vez de ficar na cidade de Porto Cale, optou
pelas colinas verdejantes e pela interior cidade de Guimarães, já venerada no
seu tempo como local de peregrinação, após o que concedeu um foral à cidade e
estabeleceu ali a capital do condado de Portucale.
Com os assuntos do Estado em
ordem, dom Henrique parou brevemente para desfrutar da sua nova e maravilhosa
vida, antes dos preparativos para embarcar na longa viagem até à Palestina, com
o objectivo de libertar a Igreja do Santo Sepulcro. Mal sabia ele que a sua
decisão marcaria um momento crucial na história de Portucale, pois as pessoas que
conheceria em Jerusalém moldariam o destino deste território. Henrique partiu
de Porto Cale rumo a Génova, na costa norte de Itália, e juntou forças com um
dos exércitos cruzados, provavelmente o liderado pelo filho do rei francês,
depois prosseguiu com a frota até ao antigo porto de Jafa, desembarcando
cinquenta e três quilómetros a oeste dos portões de Jerusalém. O seu sentido de
oportunidade não podia ter sido melhor, coincidindo com a chegada dos cruzados
que desciam sobre a cidade vindos do Norte, empoeirados pelos meses de marcha
laboriosa pelo Levante». In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação
Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.
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