terça-feira, 13 de novembro de 2018

Portugal. A Primeira Nação. Freddy Silva. «Entretanto, o Verão de 1096 estava em pleno vigor, e nos reinos flamengos e ducados franceses, incluindo a Borgonha, reuniam-se exércitos, colocando as selas…»

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140 A. C., numa terra do oeste da Ibéria chamada Lusitânia...
«(…) As instruções de Afonso aos cavaleiros Henrique e Raimundo eram simples: reconquistar as partes da Galiza e de Portucale roubadas pelos mouros. O que fariam admiravelmente, com os dois borgonheses a granjear grande reputação pelos serviços prestados durante oito anos, reconquistando território a sul até ao rio Tejo, incluindo a cidade de Lisboa. Como prova do seu apreço por Raimundo, Afonso, o Bravo, ofereceu-lhe a mão da sua filha Urraca em casamento e concedeu-lhe o governo da Galiza como feudo pessoal. O igualmente corajoso Henrique, descendente dos reis francos pela linha masculina, bisneto do rei Roberto I, filho do duque Henrique de Borgonha e sobrinho da segunda mulher de Afonso, recebeu em casamento a mão da filha ilegítima de Afonso, dona Tareja, juntamente com um dote de terras em Castela. Em qualquer outra era, isto teria parecido um acordo simples, mas sendo o século XI, nem na própria família se podia confiar, e mal Raimundo se juntara a Urraca em matrimónio, o sogro descobriu a sua ambição de expandir o seu recém-adquirido território galego. Assim Afonso, o Bravo, concebeu um plano astuto para o impedir, atribuindo a Henrique e Tareja uma fatia do território contíguo,  o condado de Portucale, que, naquele momento, estava sob a suserania de Raimundo. Essencialmente, Afonso enfraqueceria as pretensões do genro mais ambicioso fazendo de Raimundo um vizinho imediato do seu primo Henrique, ao mesmo tempo que estabelecia os territórios de ambos como dependências do seu reino de Castela e Leão. E, finalmente, algum sentido de ordem tem efeito sobre a região. Pelo menos por agora.
Entretanto, o Verão de 1096 estava em pleno vigor, e nos reinos flamengos e ducados franceses, incluindo a Borgonha, reuniam-se exércitos, colocando as selas e partindo para leste na árdua Cruzada à Terra Santa. Quando a notícia deste mais nobre empreendimento chegou a Afonso VI, o rei espanhol jurou incondicionalmente dar um contributo pessoal, mas com os mouros a fazer constantes incursões no seu reino, retomando até Lisboa, Afonso estava demasiado ocupado com as próprias campanhas em casa para se aventurar no estrangeiro. Em vez disso, enviaria ajuda à Primeira Cruzada através do seu confiável genro Henrique, que agiria em seu nome. Aqui, as relações familiares funcionaram a favor de Henrique (a segunda esposa de Afonso também era borgonhesa), para não falar da sua educação na iluminada Casa de Borgonha. Nesta época, o ducado da Borgonha era o epicentro de um renascimento, a encruzilhada comercial e intelectual da Europa, e dado que Henrique e Afonso eram antigos alunos deste círculo liberal, ambos partilhavam, sem dúvida, laços intelectuais, bem como uma visão comum do mundo. Em troca do seu compromisso de navegar os quatro mil quilómetros até Jerusalém, e em parte para manter o primo Raimundo sob controlo, o recém-sogro de Henrique concedeu-lhe ainda o governo da cidade portuária de Porto Cale e do território circundante.
Para um homem que nascera o filho mais novo, e portanto esperava alcançar pouca riqueza ou herança por título, Henrique de Borgonha saiu-se bem. Após receber a antiga terra dos lusitanos, foi-lhe atribuído o título de conde e retirou-se, entusiasmado, para a sua nova propriedade de montanhas, charneca, costa e florestas, adoptando os costumes locais, aprendendo a língua portuguesa, mudando o seu nome para conde dom Henrique, em sinal de respeito. Em vez de ficar na cidade de Porto Cale, optou pelas colinas verdejantes e pela interior cidade de Guimarães, já venerada no seu tempo como local de peregrinação, após o que concedeu um foral à cidade e estabeleceu ali a capital do condado de Portucale.
Com os assuntos do Estado em ordem, dom Henrique parou brevemente para desfrutar da sua nova e maravilhosa vida, antes dos preparativos para embarcar na longa viagem até à Palestina, com o objectivo de libertar a Igreja do Santo Sepulcro. Mal sabia ele que a sua decisão marcaria um momento crucial na história de Portucale, pois as pessoas que conheceria em Jerusalém moldariam o destino deste território. Henrique partiu de Porto Cale rumo a Génova, na costa norte de Itália, e juntou forças com um dos exércitos cruzados, provavelmente o liderado pelo filho do rei francês, depois prosseguiu com a frota até ao antigo porto de Jafa, desembarcando cinquenta e três quilómetros a oeste dos portões de Jerusalém. O seu sentido de oportunidade não podia ter sido melhor, coincidindo com a chegada dos cruzados que desciam sobre a cidade vindos do Norte, empoeirados pelos meses de marcha laboriosa pelo Levante». In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.

Cortesia de AlmadosLivros/JDACT