O Assassin de Lisboa 1142-1143
Lisboa, Abril de 1142
«(…) Já podeis descer, estais
salvas!, disse. Com desenvoltura, fez um gesto com a mão, convidando-as a
deixar o veículo em segurança, coisa que as três raparigas não fizeram, pois
Ília comentou com as irmãs que ele, apesar de dotado com o punhal, não passava
de um rapazola. Com uma careta brincalhona, insinuou: se tivesse mais uns
anitos... Sem esmorecer, Pêro Pais sorriu e recuou uns passos, o que levou
Chamoa a comentar com Mem: vai longe, este meu filho. De seguida, o almocreve
anunciou o desejo de ir falar com Afonso Henriques, e os outros acederam. O
grupo atravessou a porta da cidade de Coimbra e dirigiu-se ao castelo, onde só
o almocreve e a minha cunhada entraram, aparecendo de rompante na sala onde eu
estava, junto ao príncipe de Portugal. Mem!, exclamei.
Espantado mas contente, abracei o
almocreve. Gostava genuinamente dele. E também Afonso Henriques o estimava, desvanecido
um certo ciúme que sentira, pois aquele era o único homem que, primeiro do que
ele, tinha filhado Chamoa e Zaida. A princesa propõe-vos um pacto com Ibn Qasi,
anunciou ele. Mem contou que Zaida casara com o emir de Silves e esperava já um
filho, novidade que levou Afonso Henriques a suspirar: podia ser meu... Irritada,
Chamoa enxofrou-se: não vos chega o filho que me haveis feito? O meu melhor
amigo pacificou-a, amava-a só a ela. Mas Zaida era especial. Piscando o olho à
minha cunhada, acrescentou: minha amiga e vossa!
Enciumada primeiro, Chamoa
encolheu os ombros, mas depois, para equilibrar a situação, sorriu ao almocreve
e disse: que bom que estais cá, Mem querido... Afonso Henriques incomodou-se e,
por conhecer bem a mulher com quem dormia, regressou ao tema inicial, afirmando
que uma aliança com Ibn Qasi seria desnecessária. Numa missiva chegada dias
antes, Bernardo de Claraval, abade de Cluny e patrono dos templários,
informara-o de que estava a caminho uma frota de cruzados, a qual, antes de seguir
para Jerusalém, iria ajudar os portucalenses a conquistarem Lisboa. Sabeis o que
lá vi?, alvoroçou-se Mem. - A Lança de Cristo, nas mãos de Orimar, o chefe dos
sinistros Mantos Vermelhos! Estais certo disso?, perguntei.
Ainda me sentia responsável pela
perda da sagrada relíquia em Ourique e por isso impus aquela confirmação. Quando
o almocreve o garantiu, um também entusiasmado Afonso Henriques rejubilou, pois,
se conquistasse Lisboa e recuperasse a relíquia sagrada, o Papa seria obrigado a
reconhecê-lo rei de Portugal! Os seus olhos brilhavam de alegria quando proclamou:
primeiro, Lisboa, depois, Chamoa! Se conquistar a cidade, o Papa far-me-á rei, e
eu vos farei rainha!
Abraçada por ele e encantada com
tais palavras, a minha cunhada sentiu-se subitamente eufórica. Afinal, com Lisboa
e uma lança sagrada, ele seria rei e ela rainha, as sombras do futuro iam desaparecer!
Não seria necessário revelar a infame intriga de Compostela. Chamoa queria
ser rainha e, no momento em que isso voltava a ser possível, não ia arruinar estupidamente
aquela caminhada empolgante e épica em direcção ao trono de Portugal.
Primeiro, Lisboa, depois, Chamoa».
In
Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras,
2017, ISBN 978-989-741-713-9.
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