Castelo
de Montmerle. Região da Borgonha. 25 de Julho de 1094
«(…) Já nas imediações do
mosteiro, tentámos ocultar a nossa presença contornando a zona de maior
densidade do bosque para chegarmos à igreja de S. Tiago, cerca de meia légua
afastada das obras. Os homens trabalhavam no claustro e havia grande azáfama de
pedreiros, serventes, canteiros, carpinteiros e gente dos restantes ofícios.
Ouvia-se, como ruído de fundo, o barulho próprio da construção, mas os
trabalhadores estavam demasiado longe para conseguirem ver-nos. Além disso, a
maior parte deles estava concentrada nas suas tarefas ou encontrava-se na parte
de dentro dos muros do claustro. O pai de Ernaud trabalhava nas colunas que
sustentavam o tecto abobadado da sala do capítulo, pelo que não corríamos o
risco de que nos visse. Não deixaria as suas tarefas antes do entardecer,
altura em que iria trabalhar para a capela à qual nos dirigíamos, o que nos
deixava tempo suficiente para a nossa aventura particular. Vimos o oratório de
pedra encimado por uma cobertura de madeira e tinha seis janelas, três em cada
parede, por onde entrava apenas uma nesga de luz. A portada era o que estava em
pior estado de conservação e Gerverto Aurillac tinha colocado umas tábuas para
que ninguém entrasse.
Depois de nos assegurarmos de que
não estava ninguém por perto, corremos para a entrada da capela, retirámos uma
das pranchas e entrámos. Deixámo-nos ficar calados por alguns instantes,
ofegantes por causa da corrida e da preocupação que nos descobrissem. Aquilo
era tão emocionante como perigoso e eu sabia que o castigo poderia ser
exemplar! Dei graças a Deus pelo ar fresco que se conservava no interior devido
às paredes de pedra e à escuridão. Pelas janelas passava apenas um pouco de luz
sob a forma de feixes fugazes que trespassavam o duro alabastro, desaparecendo
em seguida, engolidos pela escuridão. A igreja tinha três naves estreitas, com
colunas recuperadas de construções anteriores. O pequeno presbitério, de forma
semicircular, ficava à parte, separado por três arcos em que se colocavam
cortinados para ocultar o oficiante dos olhos dos fiéis durante as liturgias,
embora ninguém celebrasse missa naquele altar havia muito tempo. Ernaud encaminhou-se
para a direita. Junto à entrada encontrava-se todo o arsenal de pedras meio
aparelhadas, pranchas, ferramentas de trabalho e areia.
Temos de desviar tudo isto, pois
o meu pai escondeu a entrada até poder assentar lajes de pedra novas. Quando
acabámos de afastar tudo, o suor escorria-me em bica pela cara. Tratava-se de
um alçapão estreito, feito de três pranchas presas umas às outras com apoios de
ferro, com duas argolas a servirem de maçanetas. Ernaud rodou a da direita e,
naquele momento, ouviu-se o ruído áspero de um ferrolho a abrir-se. Depois,
agarrou as duas argolas e puxou com força, mas o alçapão não se moveu nem um
milímetro! Preciso da tua ajuda. Não consigo levantar isto sozinho; é demasiado
pesado.
Fu pouca força tinha, mas esforcei-me
ao máximo e puxei juntamente com ele. Demorámos um bom bocado a conseguir que o
alçapão se erguesse. Porém conseguimo-lo, ainda que muito lentamente, e
encostámo-lo ao muro, libertando assim a entrada. Fitámos ambos o buraco escuro
que se abria aos nossos pés. Apenas se viam uns degraus toscos, que se perdiam nas
entranhas da terra. Ernaud abriu a bolsa de pano que levava a tiracolo e
retirou de lá uma pedra, um pouco de palha e uma grossa vela de sebo. Em
seguida, bateu com a pedra até as faíscas acenderem o pavio da vela. Por fim,
olhou-me e sorriu, nervoso. Vou à frente. Tem cuidado, não escorregues». In
Paloma Sanchez-Garnica, A Alma das Pedras, tradução de Miguel Coutinho, Saída
de Emergência, 2010, ISBN 978-989-637-288-0.
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