quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O Enigma de Compostela. AJ Barros. «Acho que esse assassino tem uma missão a cumprir e não é matar padres, a não ser que eles interfiram, ainda que involuntariamente, nessa missão»

jdact e wikipedia

«(…) Um silêncio fúnebre tomou conta do ambiente. A vocação funerária de Roncesvalles influía na mente das pessoas. O padre olhava-o fixamente, como se através dele visse um bando de demónios, mas tinha a fisionomia de quem ocultava alguma coisa. Por que o demónio era o culpado por aqueles crimes? O demónio tinha meios mais eficazes de impedir a ajuda aos peregrinos. Maurício olhou para o sacerdote com firmeza: por acaso o senhor saberia se o padre Augusto disse alguma coisa antes de morrer? O oficial olhou para ele, furioso: como se atreve a fazer essa pergunta a uma autoridade eclesiástica respeitada no meu país? Posso prendê-lo por desacato. É o senhor quem está sendo interrogado e esses seus comentários são suspeitos e inoportunos. Peço mil perdões, comandante. Virou-se e começou a sair quando ouviu a voz do detective: desculpe, mais uma vez, comandante, mas quem está conduzindo a investigação aqui sou eu e essa questão é interessante. E, sem esperar qualquer comentário: as suas observações são embaraçosas. O nosso prior é um homem muito respeitado. Então, primeiramente, gostaria que esclarecesse a acusação de que o abade Anselmo está escondendo alguma coisa. Caso, porém, ele tenha algo que possa interessar às investigações é claro que tem a obrigação de fazer isso.
O abade estava nervoso. Maurício aproveitou a interferência do detective e insistiu: padre, não foi o senhor quem atendeu o padre Augusto logo após o grito dele, foi? O prior respondeu depressa, como se com a sua resposta pudesse livrar-se de mais esclarecimentos. Não, foi o padre Juliano, que dorme no quarto ao lado. O meu é mais afastado. Ele abriu a porta, viu o padre Augusto naquele estado e veio correndo avisar-me, mas quando cheguei, ele já estava a morrer. Era pouco mais da meia-noite.
Lembrou-se da mulher que se levantara durante a noite no albergue. Ele olhara no relógio e faltavam alguns minutos para a meia-noite. Todas as camas estavam ocupadas e, portanto, o comandante tinha razão. Nenhum peregrino que estivesse dormindo no albergue podia ser o assassino. Entendo, entendo. E Maurício comentou, com aparente displicência: imagino o esforço e o sofrimento do padre Augusto para lhe dizer as suas últimas palavras. O senhor poderia repeti-las? O abade reagiu como se tivesse ficado perturbado com a pergunta: eu não disse isso. O senhor está colocando palavras na minha boca e isso é um insulto. O comandante tem razão.
Mas Maurício não deu tempo para o comandante falar nada, ainda porque talvez ele não se atrevesse, diante das interferências anteriores do detective. Padre Anselmo, melhor do que todos nós, aqui presentes, o senhor sabe que Deus quer a verdade. É preciso capturar esse assassino antes que ele cometa outros crimes. Não precisa dizer na minha frente, se preferir, mas diga depois às autoridades as últimas palavras do padre Augusto. Fez um movimento de despedida com a cabeça e ia saindo, quando ouviu: a prata não pode reflectir a luz foi só o que falou antes de morrer. Mas o senhor não declarou isso para nós, admoestou-o o oficial, indignado porque o padre estava passando para um estrangeiro uma informação que deveria ser sigilosa. O senhor não me perguntou, respondeu o padre, bastante nervoso.
O detective mostrou novamente a sua habilidade na busca dos objectivos. Comandante! Mais tarde conversaremos sobre isso. E, voltando-se para Maurício: essas palavras trazem algum significado para o senhor? Estava envolvendo-se demais naquele assunto, mas já não havia retorno. Acho que esse assassino tem uma missão a cumprir e não é matar padres, a não ser que eles interfiram, ainda que involuntariamente, nessa missão. Talvez o padre Augusto soubesse de alguma coisa. Provavelmente estava no lugar errado e viu ou ouviu o que não podia ser passado adiante. Na minha opinião, o espanhol era um dos alvos dessa missão, não o padre. O oficial parecia mais humilde e o detective olhava-o como se esperasse mais informações. Entendeu o silêncio do polícia, que lhe pareceu bastante perspicaz e falou: ao que sei, a menina também morreu. Se o pai a puxava no burrico, é porque ia na frente. Então, pelo que deduzo, o assassino esperou o animal passar e deu-lhe um golpe na perna direita traseira, que pela lógica devia estar na beira do declive. O assassino deve ter previsto que, com a dor e o susto, o animal pularia, pondo a vida da menina em perigo, e que a preocupação instintiva do pai seria com ela. Era o tempo que precisava para atingi-lo. As suas deduções eram lógicas e os outros não contestaram. Por isso penso que essa arma não foi feita para matar o padre, mas, sim, para cortar a perna do burrico e em seguida para matar o homem. Seria interessante saber se ele molestou a menina. Isso lhe daria material para estudar o perfil do assassino». In AJ Barros, O Enigma de Compostela, Luz da Serra, Geração Editorial, 2009, ISBN 978-856-150-127-3.
                                         
Cortesia de GEditorial/JDACT