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«(…) A pedido do Mestre, e para atrair
povoadores. o Rei concede vários privilégios e isenções aos seus moradores
presentes e futuros. Não poderiam ser obrigados pelas justiças a levar presos, nem
a transportar cargas ou dinheiros, ainda que destinados à corte. Ficavam também
isentos de fornecer alimentos e vitualhas (como pão, vinho, carne, galinhas, roupas,
bestas e palha) para aposentadorias e abastecimento da mesa dos senhores, sob
pena do pagamento de 6 000 soldos ao rei. Estamos perante uma importante carta de
privilégios (que alguns erradamente têm confundido com um foral) que punha os moradores
da vila a coberto de abusos, a que os povos estavam normalmente sujeitos. Por isso,
os moradores de Cabeção guardavam ciosamente o seu treslado dentro de uma caixa
de pau, selado com selo de cera pendente.
A avaliar pelos documentos
citados, parece fora de dúvida que foi João I (que antes fora Mestre de Avis) o
rei que mais contribuiu para o povoamento ou repovoamento da vila e do termo de
Cabeção. Os meios por ele utilizados foram a concessão de privilégios e isenções
aos seus moradores e a distribuição de terras incultas pelo sistema de sesmaria,
prática que deixou marcas na toponímia local (é o caso do topónimo Sesmarias que,
em documentos do século XVIII, compreende a Sesmaria do Chiqueiro e a Sesmaria da
Palhagueira). Embora não disponhamos, para esta época, de referências concretas
ao Pinhal, somos informados, por documentos posteriores, de que João I, ao
mandar distribuir as terras incultas aos povoadores, impôs a seguinte condição:
todos os pinheiros que nascessem nessas propriedades ficariam reservados à Ordem,
sem que os donos das terras pudessem dispor de tais pinheiros.
A necessidade premente de homens
para a guerra levou este rei a proceder ao arrolamento dos besteiros do conto, nomeadamente
os da comarca de Entre Tejo e Guadiana. Por este rol ficamos a saber que Avis, sede
da Ordem, fornecia um contingente de 20 homens e que Montemor-o-Novo
proporcionava 32. Cabeção (então associado militarmente a Montargil) contribuía
com 12 besteiros para a hoste, facto que denota alguma importância estratégica e
demográfica destas povoações.
Como atrás se disse, a primeira referência
expressa conhecida ao Pinhal de Cabeção é uma carta de privilégios, passada em
Coruche, a 11 de Abril de 1469, pelo rei Afonso V, a favor de Fernão Gonçalves,
morador em Cabeção, que se propunha fazer uma estalagem, considerada muito necessária
para os caminhantes que transitassem por este lugar (chancelaria de Afonso V. Esta
estalagem situava-se no rossio conhecido por Eira do Quarto, à beira da estrada
para Montargil, Avis e Galveias; referências à estalagem velha chegaram ao
século XIX, para a distinguirem da estalagem nova que, no século XVIII, existia
no Terreiro da Estalagem, actual largo da República, junto da estrada para Pavia,
1784): dispensa-o de prestar serviços, como o serviço militar, o exercício de tutorias
e a condução de presos e dinheiros. Isenta-o de viários tributos, como peitas, fintas,
talhas, pedidos e empréstimos e excusa-o do pagamento de sisa na compra das mercadorias
necessárias ao abastecimento da estalagem.
Ficamos a saber que o sustento
anual da mesma estava avaliado em: 6 moios de trigo e 3 de cevada; 2 cargas de azeite;
1 carga de pescado seco e 2 de pescado fresco; todas as carnes frescas ou secas
que pudesse obter; 4 bestas para serviço da casa; mantas, chumaços (travesseiros)
e lençóis; 24 cargas de vinho, vinagre, sal, cebolas, alhos, frutas e pescado do
rio. Em contrapartida, o estalajadeiro obrigava-se a ter um par de camas e a manter
uma barca para passar a ribeira de Raia. O rei concede-lhe o rendimento da barca
e encarrega-o de guardar o Pinhal da Ordem de Avis, que existe neste lugar.
Como vemos, a necessidade de
povoar a terra continua a estar presente nas intenções régias, mas os privilégios
então dispensados pretendem assegurar a circulação de gentes e produtos. Constatamos
ainda que a guarda do Pinhal estava a cargo do estalajadeiro, que era simultaneamente
o detentor da barca de passagem, mas não ficamos a saber qual era o tipo de
relação que existia entre os moradores da vila e o respectivo Pinhal. Para tanto,
teremos de recorrer a documentos posteriores». In Maria Ângela Beirante e
Cândido Beirante, O Pinhal de Cabeção, Memória Histórica, Edições Colibri,
2009, ISBN 978-972-772-895-4.
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