Cortesia
de wikipedia e jdact
«O meu interesse
pela nossa história urbana levou-me a estudar o passado medieval de duas
cidades portuguesas reconquistadas no século XII: Santarém, situada na margem
direita do rio Tejo e Évora, no centro do Alto Alentejo, ambas localizadas
portanto no Sul de Portugal. Em qualquer dos casos deparei com a presença
constante da onomástica galega, quer a nível da antroponímia quer da toponímia. Em
Santarém o apelido Galego
surge nos documentos dos séculos XIII e XIV e atesta a fixação de gente do
Norte que, vindo povoar a cidade, acaba por adquirir nela uma posição militar e
económica de relevo. Os seus portadores residem de preferência na zona nobre:
ou na Alcáçova, ou na freguesia de St.° Estêvão (ou do Santíssimo Milagre). Exemplifiquemos:
João Domingues Galego,
que em meados do século XIV vivia na freguesia de St.° Estêvão, era um rico
proprietário da região. Era detentor de uma excelente lezíria do termo de
Santarém, junto do Tejo, abaixo dos paços de Valada, onde recolhia 100 moios de
pão meado e 2.000 pedras de linho. Esta lezíria era conhecida por Lezíria do Galego. É possível
que se tratasse de um préstamo régio, pois em 1371 o rei Fernando I doou-a por jur
de herdade a João Afonso Teles Meneses, conde de Ourem e tio de Leonor
Teles.
Da antroponímia passamos à
toponímia. Assim, abaixo dos paços do bispo de Lisboa, situados em Santarém,
ficava o Vale dos Galegos, certamente agricultado por
povoadores galegos. A 9 Km para N. da cidade fica o lugar da Póvoa dos Galegos (actual
Póvoa de Santarém) que denuncia a mesma origem. Dentro da própria cidade ficava
e ainda se conserva o Beco dos
Galegos, na proximidade da antiga Mouraria e situado numa
zona urbana periférica.
No caso de Évora inventariei
todos os apelidos de família registados nos documentos conhecidos desde o
século XIII ao XV relativos à cidade e constatei que perfazem o elevado número
e 1694. Cerca de 20% destes apelidos são de origem geográfica. O apelido de
origem geográfica que apresenta maior número de registos [53] é o de Castelão ou Castelhano, mas só surge na onomástica eborense
na segunda metade do século XIV e no seguinte é frequentemente conotado com o
epíteto de estrangeiro.
O segundo apelido de origem
geográfica mais frequente em Évora é o de Galego (42 registos). O seu aparecimento é contudo
mais precoce que o anterior pois surge nos documentos no século XIII.
Charles Higounet considera que os
nomes de origem geográfica constituem um material de alto valor para o estudo
do movimento das populações. Por isso a frequência do apelido Galego em Évora da Idade Média
não pode deixar de nos revelar uma corrente migratória de elementos
populacionais oriundos da Galiza que se estabelecem na cidade alentejana a
partir da reconquista. Esta corrente migratória é atestada pela toponímia
urbana.
Existem em Évora medieval 2 ruas dos galegos, que
parecem traduzir a fixação massiva de 2 colónias de imigrantes em momentos
diferentes da história urbana. A Rua dos Galegos Velha situava-se a norte, à
porta de Avis, perto da Mouraria, e onde, na época muçulmana, se encontrava o arrabalde
moçárabe da igreja de S. Mamede. A segunda Rua dos Galegos ficava junto do
mosteiro de S. Domingos e nela se achava a albergaria de S. Gião. Ambas as ruas
se situam em lugares periféricos da urbe, mas importantes do ponto de vista da
sua vida de relação. É possível que o convento dominicano tenha tido alguma
intervenção no processo de instalação dos imigrantes, ao mesmo tempo que
construía à sua volta casarias para os novos povoadores.
Sabemos que, de um modo geral, o
desenvolvimento demográfico das cidades medievais europeias se fez principalmente
à custa de movimentos migratórios. Porém estes movimentos foram particularmente
intensos na Península Ibérica, pela existência do que podemos chamar uma
fronteira em movimento. Esta fronteira em movimento é responsável pela
ocorrência de fluxos e refluxos migratórios ao sabor das contingências da
reconquista. Assim, por exemplo, no que toca à Galiza, no início do domínio
islâmico, teria recebido numerosos refugiados do vale do Douro, facto que
incrementou grandemente a sua densidade demográfica. A Galiza foi especial pólo
de atracção para os religiosos moçárabes e ainda no século IX alguns monges
cordoveses emigram para a Galiza, onde os encontramos, por exemplo, no mosteiro
de S. Julião de Samos». In Maria Ângela Beirante, Onomástica Galega
em duas cidades do sul de Portugal, Santarém e Évora, Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas,
nº 6, 1992-1993, III Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa
na Galiza, Vigo, 1990.
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