Trabalho
apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco
para a obtenção do grau de doutor em Teoria da Literatura
A
construção da memória feminina no imaginário utópico de Christine de Pizan.
«Esta tese tem como objecto de
pesquisa o estudo da obra La Cité
des Dames, escrita em 1405, pela escritora Christine de Pizan,
e a sua tradução em língua portuguesa. A contribuição central dessa obra
medieval consiste em apreender/compreender as relações sociais de género ao
longo do tempo, através do resgate da memória feminina, esquecida pela História
oficial; assim como a reivindicação do justo lugar para a mulher na sociedade e
na literatura profundamente marcadas por traços misóginos. A escritora Christine
elabora então uma cidade utópica, uma fortaleza, na qual, com a ajuda de três damas
alegóricas: Dama Razão, Dama Retidão e Dama Justiça, as mulheres serão
protegidas das injustiças e hostilidade masculinas. Concebida como uma reacção
à produção literária da época, a obra será analisada como a utopia feminina do
século XV. A tese está divida em três partes: a primeira diz respeito ao estudo
da biografia de Christine de Pizan e a análise da construção de sua identidade
feminina através dos seus escritos. Em seguida, buscou-se identificar as fontes
literárias e históricas que serviram de fundamento para a construção das suas obras.
A segunda parte trata do estudo dos elementos utópicos na obra de Christine de
Pizan. E, por último, na terceira parte, encontra-se a tradução portuguesa da Cité des Dames, a partir do Manuscrito
do Duque». In Resumo
Dama Christine Pizan
Ao chegar na França, uma das
primeiras bibliotecas que procurei visitar, mesmo antes da Biblioteca Nacional
de Paris, foi a Bibliothèque Margerite Durand. A própria jornalista, criadora
também do jornal La Fronde,
que era redigido, composto e dirigido por mulheres, foi quem fundou a
biblioteca com os documentos e arquivos relativos à história das mulheres, colectados
e conservados por ela, ao longo dos anos. A biblioteca Marguerite Durand, actualmente
num moderno prédio da rua Nationale, vizinho à Universidade Paris I, reúne um
acervo considerável de livros de autoria feminina, e constitui o maior centro, no
país, especializado em estudos de género. Para entrar, nenhuma burocracia.
Senti-me em casa. Logo preenchi o meu cadastro de leitura como pesquisadora
brasileira à procura da escritora medieval, Christine de Pizan. Tudo ali, parecia-me
tão familiar: as damas guardiãs, naquele arsenal de livros sobre a questão
feminina, que tão bem me acolheram; o próprio XIII ème arrondissement onde está situada a
biblioteca, há poucos metros de onde morei na adolescência, e por onde passava
diversas vezes a caminho da mediateca. Nesse ambiente estimulante, cercada da
memória feminina, consegui encontrar muitos documentos sobre Christine de Pizan
que aos poucos me foram apresentando uma obra e uma história de vida, tão
ricas, e no entanto, tão pouco conhecidas. Percebia também como a sua vida
estava presente na sua obra. Não é de se estranhar que a principal fonte
documental para elaboração das suas bibliografias tenha sido os seus próprios
escritos. A propósito, examinando outros textos femininos percebe-se que tal
característica é um traço marcante dessa escrita. Através de uma espécie de
discurso biográfico, as escritoras encontraram um caminho de representar o eu
feminino silenciado ao longo da história. O retratar-se, próprio à escrita
feminina é mais do que um simples estilo literário, mas a própria substância de
que o texto é nutrido. Pois, a representação do mundo é feita a partir de uma
outra perspectiva dentro da estética androcêntrica dos cânones literários.
Assim como a voz do dono é condicionada ao dono da voz, a condição de
alteridade dos textos femininos implica na forma diferente de representar o
mundo na sua escrita». In Luciana
Eleonora F. Calado, A Cidade das Damas, A construção da memória feminina no imaginário utópico de Christine de
Pizan, Teses de Doutoramento, Universidade de Pernambuco, Recife, 2006.
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