«(…) No tombo antigo da Ordem de Avis,
datado de 1504, realizado por Diogo Azambuja, o Pinhal de Cabeção figura na lista
dos bens da Ordem. A sua administração pertencia ao almoxarife da mesma que também
tinha o encargo de dar em sesmaria as terras incultas. Porém, os pinheiros que
existissem nessas terras ficavam sempre propriedade da Ordem e ninguém podia
cortá-los sem licença do mestre. Os moradores de Cabeção que precisassem de
madeira para construir ou reedificar suas casas só o poderiam fazer com licença
do almoxarife que lhes assinalaria o local onde deviam realizar o corte, estando-lhes
vedado cortar pinheiros pelo pé.
O tombo de 1556, da responsabilidade
do licenciado Jorge Lopes, coincide, no essencial, com o anterior, mas é mais rico
em pormenores descritivos. Ficamos a saber que a pena aplicada a quem cortasse
um pinheiro sem licença era de 1 000 reais em dinheiro, mais 30 dias de cadeia.
Porém, os moradores do lugar estavam obrigados a limpar todos os anos o Pinhal e,
a troco deste trabalho, recebiam comida e a possibilidade de cortarem madeira para
as suas casas. Acrescente-se uma novidade: Jorge Lencastre, filho bastardo de João
II e Mestre da Ordem entre 1492 e 1550, dera o Pinhal ao Convento de Avis, ficando
o Prior com o encargo do mesmo, pondo nele um guarda, morador em Cabeção. Era desta
mata que o Convento tirava a madeira para as suas obras e alguns pinheiros que
vendia para as despesas da sua fábrica.
Note-se, a propósito, que o corte
de madeiras autorizado aos moradores de Cabeção se restringe, em ambos os documentos,
ao madeiramento de suas habitações (sabemos, todavia, que, na Idade Média, era
permitido aos moradores das cabeças das matas da Coroa cortarem a madeira de
que precisassem, não só para a construção das suas casas, como também para as suas
lavouras). Também neles nada se diz sobre a apanha de lenhas ou de outros
produtos da mata, mas lendo um documento de 1574 e que se reporta a um costume antigo,
podemos ter como certo que os moradores de Cabeção podiam aí colher pinhas, desde
que o fizessem no tempo próprio, isto é, depois do dia de Santa Catarina (25 de
Novembro). O que ressalta afinal da leitura dos documentos é que o direito ao corte
de madeiras no Pinhal por parte dos moradores da vila tinha como fundamento a construção
ou reparação das suas casas. Ora sendo a casa o elemento primordial do povoamento,
é evidente que o Pinhal esteve, desde muito cedo, ao serviço da política de povoamento
em que a Coroa e a Ordem estiveram empenhadas e que perdurou por vários
séculos.
Prova eloquente do que acabamos de
afirmar foi a doação que fez o Mestre Jorge Lencastre aos moradores de Cabeção
de um chão, que fora ferragial da Ordem, para que nele construíssem casas. Confrontava,
a poente, com adro da Igreja (que então se encontrava afastada da povoação) e, dos
restantes lados, com ferragiais e hortas. Media de comprimento 160 metros e de
largura 130 e constituiu o espaço onde se rasgou a Rua da Igreja (actual Manuel
de Arriaga) e onde se traçou a quadrícula da Praça e das ruas adjacentes. Este chão,
que foi transformado na povoação de baixo (por oposição à
mais antiga, situada no Castelo),
já tinha muitas casas feitas em 1556 e corresponde ao casco urbano da vila que hoje
conhecemos.
Podemos pois afirmar que o Pinhal
de Cabeção foi matriz das casas mais antigas que se construíram no alto, mas
que dele saíram principalmente as traves e as vigas com que se levantaram naquele
chão as casas da vila nova. Mas se a mata foi mãe generosa das casas dos homens,
não podia deixar de sê-lo das casas de Deus: igrejas e capelas que se erguiam ou
reerguiam em terras da Ordem de Avis recorriam habitualmente aos melhores pinheiros
que se criavam no Pinhal da Ordem. Exemplos desta última vocação encontramo-los
no texto das Visitações da Ordem de Avis, que se realizaram em 1578 às igrejas da
Ordem. Na visitação à igreja matriz de Benavila, o visitador constata que o
alpendre tem muito ruins madeiramentos e recomenda: Sua Alteza deverá de mandar
que do pinhal de Cabeção se desse uma dúzia de pinheiros para isso. Na visitação
da capela de S. Domingos de Bembelide (Maranhão), reconhece que a igreja e a própria
capela-mor estão em completa ruína, pelo que sugere: Sua Alteza devia mandar que
se fizesse outra e podia-se fazer com pouco custo de alvenaria e forrada com madeira
de pinho a qual se podia dar da mata de Cabeção e a capela-mor de abóbada em que
se ponha um retábulo pintado». In Maria Ângela Beirante e Cândido Beirante,
O Pinhal de Cabeção, Memória Histórica, Edições Colibri, 2009, ISBN
978-972-772-895-4.
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