140 A. C., numa terra do oeste da Ibéria
chamada Lusitânia...
«(…) A sua influência ainda se reflecte
na origem dos nomes de locais de toda a Europa, como o rio Danúbio, ou as Paps of
Anu, as lendárias colinas sagradas da Irlanda, em tempos veneradas por outra lendária
raça celta, os tuadhe d’anu, o povo de Anu. Como tantas raças antigas,
diz-se que os tuadhe implementaram a matemática, a agricultura, as artes
e a música; possuíam o belo dom do temperamento e do conhecimento que lhes dava
controlo sobre as forças da natureza, e esses atributos fizeram com que fossem
comparados a deuses. O chefe dos lusitanos, Viriato, era celebrado como um líder
celtibérico possuidor das mais nobres das antigas virtudes. Era honesto, justo e
fiel à sua palavra, e as suas estratégias brilhantes venceram muitas guerras contra
poderosas forças romanas, ao ponto de o recrutamento nas legiões ter baixado
significativamente. Só através da traição é que os romanos se tornaram senhores
deste pedaço de terra ferozmente independente no vértice da Europa e do Atlântico.
Basta dizer que um ressentimento profundo, quase ódio, por todas as coisas
romanas persiste até hoje no ADN dos seus habitantes.
Os lusitanos eram também um povo
incrivelmente espiritual. Acreditavam na sobrevivência da alma, no Outro Mundo,
e que em certas zonas da Terra há uma força especial que pode ser mobilizada para
fazer a ligação a domínios que existem para lá dos cinco sentidos. Tais crenças
encontrariam continuidade no mais celta dos sacerdócios, o dos druidas, que também
encontrou um lar na Lusitânia, bem como na Galiza, a norte; e numa tribo celta na
região da Dinamarca chamada burgundii, que um dia daria nome à província
francesa da Borgonha. Os druidas tinham outra coisa em comum com os lusitanos: eram
odiados e temidos na mesma medida por Júlio César, e ele fez questão de os obliterar
a ambos durante a sua vida.
Depois de os romanos virem, verem,
conquistarem e inevitavelmente perderem, a Lusitânia mudou de nome e lealdade inúmeras
vezes, dependendo do vento político do mês. As regiões montanhosas são assim:
de mente independente, espírito autónomo, teimosas até ao âmago. Porém, no século
IX, a paisagem política começou a estabilizar, ou relativamente, pelo menos,
dado que esta era a turbulenta Idade das Trevas, e fê-lo em torno de uma aldeia
apropriadamente chamada Cale. Cale situava-se na foz do rio Douro (rio de Ouro),
que corre para o oceano Atlântico no Norte do que é hoje Portugal. Os troianos foram
talvez um dos primeiros grupos a instalar-se em Cale, pois o nome deriva da palavra
grega kallis (belo), referindo-se à sinuosa beleza do fértil vale do Douro.
Dada a forma como os troianos passaram por esta região na sua viagem rumo à Grã-Bretanha,
a hipótese é consistente. Cale é também um etnónimo derivado da tribo celta
que se instalou na região, os callaici, cujo nome provém da fonte da sua
veneração, a deusa Cailleach, presente até hoje na tradição irlandesa. Assim, os
callaici ou gallaeci associaram o seu nome ao respectivo lar no
estuário, que se expandiu para Porto Cale (belo porto). O seu nome também se encontra
em regiões importantes localizadas ali perto: Gaia, Galiza, e mais tarde o gal
em Portugal. Mas estamos a adiantar-nos.
Com a evaporação dos lusitanos e
dos romanos, a história local torna-se tão fácil de explicar como o padrão de tráfego
dentro de um monte de térmitas. Em resumo, o Noroeste da Ibéria era geralmente conhecido
como Galiza. Algures por volta do ano 848, entre as muitas conquistas e
reconquistas que caracterizam a fluida estabilidade desta região, Porto Cale expande-se
de simples porto para a região de Portucale, uma faixa costeira entre os rios Douro
e Minho. O território de Portucale leva então uns duzentos anos a libertar-se do
jugo da Galiza; primeiro, passa a governo único no ano de 950, depois é governado
como feudo até 1050, mas vinte anos decorridos é reincorporado no reino da Galiza.
Por volta de 1083, só para acrescentar mais ingredientes a esta complexa caldeirada,
dois primos da Casa de Borgonha chegam de Dijon a cavalo.
Os dois cavaleiros nobres, Henrique
e o seu distante, mas muito mais ambicioso, primo Raimundo, filho de Guilherme,
o Grande, conde da Borgonha, partiram para o Norte da Ibéria a pedido de
Afonso VI, rei de Castela e Leão, Galiza e Portucale. Cognominado o Bravo,
Afonso VI atribuíra a si mesmo a ingrata tarefa de integrar todos os diferentes
reinos espanhóis, metade dos quais sob domínio muçulmano, tal como partes das suas
províncias. Mas, embora isto exigisse combater os sarracenos, mouros e outros árabes,
Afonso VI parece ter sido um governante algo iluminado, pois não fez julgamentos
generalizados sobre os inimigos. Continuou a oferecer protecção aos muçulmanos
no seu território, cunhou moedas em árabe e admitiu na sua cama a princesa refugiada
muçulmana Zaida de Sevilha». In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação
Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.