As
Lágrimas do Papa
A Morte de Isabel
«(…) Benoit especificou: firmes
determinações e sábias regras devem ser instauradas, Sire. Um trono vago
provoca vorazes comichões em alguns traseiros! Com o rosto enrugado e molhado,
Filipe conseguiu esboçar um sorriso e confirmou: certamente, cuidarei para
amordaçar os prebostes. A dor da minha tristeza já é um fardo pesado e não quero
me sobrecarregar com preocupações políticas quando for para a Terra Santa.
Os
Templários
A ampla sala vibrava com a
multidão de prebostes, burgueses, bailios e altos dignitários. Muito pálido,
Filipe estava sentado erecto no trono feito de madeira, ouro trabalhado e
veludo. À direita, estava a sua mãe Adélia, então com quarenta anos, altaneira,
empertigada, com o queixo pontudo. À esquerda, o tio Guilherme, arcebispo de
Reims, gordo e flácido, parecia cochilar, mas o seu olho de águia brilhava de
vez em quando sob as pesadas pálpebras. O rei Filipe ouvia o senescal ler o
texto que ele havia escrito numa folha de velino. Filipe pensava em Isabel, que
enterrara com os gémeos na semana anterior. E lágrimas vieram-lhe novamente aos
olhos, ardentes e ácidas. O senescal balbuciou: em nome da santa e indivisível
Trindade, pela graça de Deus, Filipe, rei dos franceses, ordena... Em seguida,
o leitor pigarreou, recompôs-se e fez uma voz mais grave, como convinha nessas
ocasiões. Ele prosseguiu: nossos bailios darão a cada prebostado quatro homens
sábios e leais aos quais serão submetidas todas as questões das cidades. Eles
formarão um conselho de direito e de sabedoria... A qualquer um que estiver hierarquicamente
abaixo, fica proibido destituir um bailio, excepto em caso de homicídio, rapto
ou evidente traição. Três relatórios serão dirigidos por ano ao rei Filipe.
Na multidão, um preboste gordo e
rechonchudo virou-se para outro com ares de galo e sussurrou: Filipe é uma
raposa! Ele está cortando-nos as asas... Isso cheira a inspiração templária,
respondeu o segundo. Olhe, uma cruz vermelha vigia na sombra. Com um enérgico e
desdenhoso movimento do queixo, o homem indicou um vulto imóvel perto de um
pilar. De facto, uma forma humana se mantinha ligeiramente afastada, usando uma
túnica branca estampada com uma cruz vermelha em cada ombro e outra no peito, o
capuz inclinado sobre o rosto. Levantando-se e benzendo a assembleia, Filipe
deu a entender que a conferência estava terminada. A minha vontade lhes foi
entregue. Que ela seja palavra testamentária, assim seja. O gordo preboste,
vermelho de raiva, resmungou: e eis que nos tornamos prebostes sem poder! Ao
que o outro acrescentou: e, ao mesmo tempo, Filipe costurou o bico da
rainha-mãe. O rei é hábil nas manobras. Na verdade, ninguém sabe quanto tempo
ele ficará na Palestina. Mesmo assim, o espertalhão manterá o reino na palma da
mão! A sala foi esvaziando-se lentamente. Adélia saiu da cadeira sem sequer
lançar um olhar para o filho. O arcebispo Guilherme levantou-se com
dificuldade.
Ao passar diante do sobrinho,
disse: não cessarei de rezar por vós, Sire. Pedirei a Deus que vos dê conforto
e coragem ao longo do vosso empreendimento na Terra Santa. Mas a voz bajuladora
e melosa soou falsa. Filipe limitou-se a inclinar a cabeça para que o tio
desenhasse o sinal da cruz na sua testa com o polegar. Em seguida, os dois
homens se desafiaram com o olhar. Não havia nenhuma afeição no olhar do
prelado. Somente frieza ou indiferença. Os cavaleiros Henri e Benoit cercaram o
soberano e o ajudaram a colocar o manto. A sala já estava vazia. Eles a
atravessaram e saíram num pequeno pátio quadrado. Ele vos aguarda, foi somente
o que disse Henri. Está bem, respondeu o rei. E Filipe viu a silhueta do
templário atravessar o pátio molhado por uma chuva recente. O homem parou e
virou-se. Estranha presença, calma e serena. O vento brincou por um momento com
a sua romeira branca. Filipe foi ao encontro dele. Henri e Benoit permaneceram
ligeiramente recuados. Os quatro homens dirigiram-se às estrebarias. Em
silêncio, subiram nas montadas e saíram do palácio como simples viajantes.
Filipe escondeu o rosto sob um
capuz. Os peregrinos atravessaram a cidade sob a chuva que havia recomeçado,
fria e cortante. Uma chuva cinza e triste, intermitente. Quando o rei Filipe
desceu da sela, Benoit ficou preocupado: estais encharcado, Sire... Vedes como
tremeis. Não é nada, garanto. Sabe muito bem que eu tremo assim desde a morte de
Isabel. Não sei se isso me vai deixar algum dia...» In Didier
Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil,
2012, ISBN 978-852-861-550-0.
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