domingo, 25 de novembro de 2018

Comunas ou Concelhos. História. António Borges Coelho. «A civilização muçulmana do Andaluz entornou todo um caudal de novas técnicas e aperfeiçoou outras que modificaram qualitativamente a produção agrícola…»

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Leão e Andaluz
As tensões sociais atrasam a Reconquista
«(…) Certamente, as cadeias da servidão começam a desatar-se, mas com que dificuldade: o servo que não seja reconhecido pode encontrar refúgio em Leão, mas todo aquele, mouro ou cristão (irmanavam-se bem no sofrimento!), que fosse provado como servo por homens bons e verdadeiros, seria entregue ao seu senhor sem sentença. As transferências de propriedade agrária entre os presores de cristãos bem como a rivalidade senhorial clero-nobreza assumem proporções bastantes para que o concílio legisle: nenhum homem seja ousado a comprar herdade de servo da igreja ou perde-a e o seu preço; nenhum nobre compre solar de júnior. Por outro lado, a rivalidade, ou, melhor, a contradição clero secular-clero regular deflagra em luta aberta como se vê nas palavras: nenhum homem seja ousado a receber abade, abadessa ou monge, pois estes devem estar subordinados à autoridade dos bispos e os monges à dos abades.
Em suma, a gravidade da luta social pode sentir-se pulsar na disposição: todo aquele que matar outro e puder fugir, regresse nove dias depois sem coima [isto é, sem multa judicial] e acautele-se de seu inimigo. A guerra privada é assim permitida não já entre nobres mas de família a família. Deve dizer-se mais? Concluindo: a aceitação resignada dos concelhos e as cedências a peões e cavaleiros corresponde a uma necessidade de equilíbrio por parte do Poder que, além da pressão horizontal dos outros senhores cristãos e das armas do Islão, é sacudido de baixo por um impulso que só a cedência política, neste caso, o reconhecimento dos concelhos das cidades do reino de Leão e seus alfozes, parece capaz de aplacar e de suster. Estas tensões sociais e a pouca vontade dos moçárabes em sofrerem o jugo dos seus correligionários contam-se entre os factores sociais decisivos da lentidão da Reconquista mesmo quando, pela sua fraqueza política e militar os reinos islâmicos das taifas, nascidos da queda do califado pareciam oferecer docilmente o colo ao cutelo da cruz.

O Andaluz e o Garbe (ou Ocidente)
Para os exilados no Magrebe o Andaluz soava como paraíso perdido e os seus lugares brilhavam entre as árvores. Oitenta cidades principais e trezentas médias encontrou Ibne Saíde quando Córdova e Sevilha se inclinavam já sob o jugo cristão. Só no Guadalquivir haveria cerca de doze mil aldeias e lugares. A terra desentranhava-se em frutos de climas frios e climas quentes: a castanha e a cana-de-açúcar; a noz, a avelã e as bananas, os figos, as passas, os pêssegos, as romãs, as amêndoas, as laranjas, os limões. Em cereais, o Tejo era um Nilo.
Múrcia dispunha, ao menos no século XIII, das melhores mãos do Andaluz e, porventura, da Europa. Mãos que teciam panos de ouro e prata, tapetes, cotas de malha, peitorais, armaduras, escudos, espadas, lanças, elmos, arcos, flechas, selas, freios, cabeçadas, facas, tesouras de ferro e bronze, vidros, olaria. Competiam com Múrcia, Granada, Baza, Almeria, Málaga. E que saudades de Toledo, Saragoça, Beja, Córdova e Sevilha! E nos séculos XI e XII? Perguntem ao Cid quem forjou a espada Tizona e criou o seu cavalo Babieca. Perguntem a Xátiva pela manufactura de papel. Perguntem pelos azulejos, os mosaicos, as casas caiadas de branco por dentro e por fora. Perguntem a Toledo pelas espadas, a Córdova e Beja pela indústria de couros e tecidos. Rebeliões anti-senhoriais não faltaram antes do século XI, mas por que é que só agora triunfam? Não estará a resposta no aumento do nível das forças produtivas ou este seria o mesmo do século VIII quando os servos se rebelaram no reinado de Aurélio e foram de novo reduzidos à servidão?
Vimos que o movimento da evolução social da Península partia do Andaluz. De lá se transmitiu, embora lentamente, às aldeias serranas do Norte. A civilização muçulmana do Andaluz entornou todo um caudal de novas técnicas e aperfeiçoou outras que modificaram qualitativamente a produção agrícola e, em algumas cidades principais, a indústria de armamentos, de fiação, de cerâmica, o trabalho dos metais e dos couros, a construção naval e a pesca. Esta alteração qualitativa das forças produtivas aumentou o superavit dos produtos agrícolas e artesanais que sustentaram uma luta de libertação e alteraram as estruturas da produção e do mercado». In António Borges Coelho, Comunas ou Concelhos, Editorial Caminho, colecção Universitária, Lisboa, 1986.

Cortesia de Caminho/JDACT