sábado, 10 de novembro de 2018

A Cidade das Damas. Luciana Eleonora F. Calado. «A escritora Christine elabora então uma cidade utópica, uma fortaleza, na qual, com a ajuda de três damas alegóricas...»

Cortesia de wikipedia e jdact

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco para a obtenção do grau de doutor em Teoria da Literatura

A construção da memória feminina no imaginário utópico de Christine de Pizan.
«Esta tese tem como objecto de pesquisa o estudo da obra La Cité des Dames, escrita em 1405, pela escritora Christine de Pizan, e a sua tradução em língua portuguesa. A contribuição central dessa obra medieval consiste em apreender/compreender as relações sociais de género ao longo do tempo, através do resgate da memória feminina, esquecida pela História oficial; assim como a reivindicação do justo lugar para a mulher na sociedade e na literatura profundamente marcadas por traços misóginos. A escritora Christine elabora então uma cidade utópica, uma fortaleza, na qual, com a ajuda de três damas alegóricas: Dama Razão, Dama Retidão e Dama Justiça, as mulheres serão protegidas das injustiças e hostilidade masculinas. Concebida como uma reacção à produção literária da época, a obra será analisada como a utopia feminina do século XV. A tese está divida em três partes: a primeira diz respeito ao estudo da biografia de Christine de Pizan e a análise da construção de sua identidade feminina através dos seus escritos. Em seguida, buscou-se identificar as fontes literárias e históricas que serviram de fundamento para a construção das suas obras. A segunda parte trata do estudo dos elementos utópicos na obra de Christine de Pizan. E, por último, na terceira parte, encontra-se a tradução portuguesa da Cité des Dames, a partir do Manuscrito do Duque». In Resumo

Dama Christine Pizan
Ao chegar na França, uma das primeiras bibliotecas que procurei visitar, mesmo antes da Biblioteca Nacional de Paris, foi a Bibliothèque Margerite Durand. A própria jornalista, criadora também do jornal La Fronde, que era redigido, composto e dirigido por mulheres, foi quem fundou a biblioteca com os documentos e arquivos relativos à história das mulheres, colectados e conservados por ela, ao longo dos anos. A biblioteca Marguerite Durand, actualmente num moderno prédio da rua Nationale, vizinho à Universidade Paris I, reúne um acervo considerável de livros de autoria feminina, e constitui o maior centro, no país, especializado em estudos de género. Para entrar, nenhuma burocracia. Senti-me em casa. Logo preenchi o meu cadastro de leitura como pesquisadora brasileira à procura da escritora medieval, Christine de Pizan. Tudo ali, parecia-me tão familiar: as damas guardiãs, naquele arsenal de livros sobre a questão feminina, que tão bem me acolheram; o próprio XIII ème arrondissement onde está situada a biblioteca, há poucos metros de onde morei na adolescência, e por onde passava diversas vezes a caminho da mediateca. Nesse ambiente estimulante, cercada da memória feminina, consegui encontrar muitos documentos sobre Christine de Pizan que aos poucos me foram apresentando uma obra e uma história de vida, tão ricas, e no entanto, tão pouco conhecidas. Percebia também como a sua vida estava presente na sua obra. Não é de se estranhar que a principal fonte documental para elaboração das suas bibliografias tenha sido os seus próprios escritos. A propósito, examinando outros textos femininos percebe-se que tal característica é um traço marcante dessa escrita. Através de uma espécie de discurso biográfico, as escritoras encontraram um caminho de representar o eu feminino silenciado ao longo da história. O retratar-se, próprio à escrita feminina é mais do que um simples estilo literário, mas a própria substância de que o texto é nutrido. Pois, a representação do mundo é feita a partir de uma outra perspectiva dentro da estética androcêntrica dos cânones literários. Assim como a voz do dono é condicionada ao dono da voz, a condição de alteridade dos textos femininos implica na forma diferente de representar o mundo na sua escrita». In Luciana Eleonora F. Calado, A Cidade das Damas, A construção da memória feminina no imaginário utópico de Christine de Pizan, Teses de Doutoramento, Universidade de Pernambuco, Recife, 2006.

Cortesia de UniversidadeP/CAC/TeoriaL/JDACT