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Filósofos
Orientais
«(…) Na Doutrina
decisiva acerca da Concorância da Revelação e da Sabedoria (Fasl al-makal…), Averróis exalta a legitimidade
da especulação racional. A Lei Corânica obriga o crente a especular
racionalmente sobre os seres. A fé perfeita integra o saber racional. A
obrigação da especulação racional estende-se ao exame das obras dos antigos.
Proibir tal exame é contrariar a Lei desde que se tenha um sentido agudo da verdade
acompanhado de virtude ética. Mas nem todos os homens são sensíveis à prova demostrativa:
alguns só dão o seu assentimento aos discursos dialécticos, outros aos
discursos retóricos mas Deus dirige-se aos homens por estas três espécies de
discursos. Se a procura racional leva a verdades de que o Corão não fala, não
há que recear, é como no direito quando se infere por um silogismo jurídico que
não vem textualmente na Lei revelada. Quanto às excomunhões lançadas contra os filósofos,
estas não devem ser tomadas como decisivas e sem apelo. Al-Gazallí não tem
razão na sua condenação dos filósofos.
Os sábios verificam a
concordância da Lei e da Razão, da religião e da filosofia, mas o homem vulgar
beneficia deste acordo sem o conhecer. Convém, pois, que os sábios não vulgarizem
o seu saber, pois de outro modo contribuirão para o surgimento das seitas. E
esse foi o erro dos mutazilitas. Na Destruição
da Destruição dos filósofos de Al-Gazallí (Tahafut al-Tahafut al- falasifa
li-l-Gazallí), Averróis critica o neoplatonismo de Avicena,
combate a condenação acerba lançada por Al-Gazallí contra os filósofos e passa
em revista os grandes problemas da filosofia. O mundo é uma criação eterna. Não
pode existir um tempo vazio que precederia num dos seus momentos a aparição do
mundo. Este não emana de Deus, não é a sombra de Deus.
O ser é o que é, segundo
a anterioridade e a posteridade das dez categorias. Neste sentido, dizemos que
a substância existe por si mesma, e o acidente que existe no que existe por si.
Quanto ao ser, no sentido do verdadeiro, é uma ideia no pensamento e consiste
em uma coisa no exterior da alma ser conforme ao que ela é na alma. Não se pode
separar a essência e a existência; a distinção apenas se faz pelo pensamento.
Esse o erro de Avicena. Contra a teoria dos Sufis, o Deus de Averróis não é objecto
de um conhecimento místico. Está presente no mundo físico e é a chave da abóboda
do universo, como escreve na Doutrina
decisiva acerca da Concordância da Revelação e da Sabedoria (Fasl al-Maqal…). Mas nem por isso é menos transcendente
e a inteligência não pode atingi-lo em si mesmo mas simplesmente como criador,
como primeiro motor. Como o conhecimento da alma é obscuro, é justo remeter-nos
à revelação. Quanto à ressurreição dos corpos, ela é indemonstrável. Se a alma
é imortal, não viverá somente de contemplação, terá necessidade das virtudes
morais que implicam a presença do corpo.
Na Exposição
da República de
Platão, Averróis segue muito de perto o texto platónico
iluminando-o com a Ética Nicomaqueia
e com Al-Farabí. A interpretação rigorosa serve-lhe, a pretexto da
sociedade ideal, para uma crítica, por vezes dura, à sociedade real. Se
meditarmos nas leis religiosas, verificamos que o seu conhecimento se divide em
conhecimento abstracto e em acções práticas como as qualidades éticas que a Lei
aconselha a observar. Assim, a intenção da religião é idêntica ao fim da filosofia,
tanto no modo como na sua finalidade. Também só podemos compreender o fim
último do homem através das ciências teóricas. Ora o grupo dos cidadãos, em que
a sabedoria se manifesta, é a mais pequena das suas classes, a dos filósofos. E
isto porque estão menos envolvidos nas artes práticas. E é evidente que o
governo da sociedade deve ser confiado a quem detenha a sabedoria. Quanto ao
papel das mulheres na sociedade, Averróis considera que elas devem realizar os
mesmos trabalhos que os homens, tendo, no entanto, em conta que são mais
débeis. Não é impossível que, mediante uma educação esmerada, possam ser
filósofas e governantes. Apesar disso, nas sociedades islâmicas desconhecem-se
as habilidades das mulheres que são usadas só para a procriação e destinadas ao
serviço dos maridos e à educação das crianças. Como não preparam as mulheres
para nenhuma das virtudes humanas, a não ser fiar e tecer quando necessitam de
fundos, sucede que representam uma carga para os homens». In António Borges Coelho, Tópicos para a História da Civilização e das
Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999,
IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.
Cortesia de I.Camões/JDACT