Manuel I e o fim da tolerância religiosa
(1496 - 1497
Organização comunitária: judiarias,
mourarias e comunas
«(…) Mais tarde, Fernando I aumentou
os poderes já consideráveis do rabi-mor, concedendo-lhe o direito de usar um selo
real e prender judeus delinquentes, tal como qualquer magistrado e beleguim cristão.
Em 1412, João I reformou o cargo de rabi-mor em resposta a queixas dos judeus de
Lisboa e de outras comunas contra certos abusos não especificados do rabi-mor Yehuda
Cohen (esta ordenação tem a data de 1402 [Era Comum 1440], mas isso deve ter
sido um erro do escrivão, porque a mesma se refere claramente a Judas Cohen, que
só foi nomeado rabi-mor de Portugal por João I em 1405. A data mais provável de
1412 [Era Comum 1450] encontra-se noutro manuscrito das Ordenações Afonsinas na
Torre do Tombo). Estas reformas devolveram alguns poderes aos rabis-menores e às
comunidades judaicas. O rabi-mor já, não podia prender nem deter indivíduos transgressores,
nem interferir nas finanças das comunas. As reformas destinavam-se também a travar
os abusos e a corrupção, proibindo a concessão de isenções fiscais ou a emissão
de alvarás.
Apesar destas limitações, o
rabi-mor manteve a sua importante posição no seio da comunidade. O rabi-mor
continuaria a julgar causas em segunda instância, enquanto os juízes ou
corregedores de comarca cristãos estavam proibidos de julgar essas causas. Para
reforçar esta ordenação, os judeus foram terminantemente proibidos de recorrer a
tribunais cristãos sob ameaça de uma pesada multa. Embora João I proibisse o rabi-mor
de nomear rabis-menores, e ordenasse que tais nomeações fossem revogadas, o primeiro
continuaria a confirmar a eleição dos segundos e a verificar o orçamento das comunas.
Por fim, o rabi-mor manteve o uso de um selo com as armas reais, mas este teria
a seguinte legenda: Selo do rabi-mor de Portugal.
Para o ajudar no cumprimento das suas
funções, o rabi-mor tinha a sua própria chancelaria, com um chanceler, um
escrivão e um porteiro, e um selo especial. O chanceler guardava o selo oficial
do rabi-mor que este usava para selar todas as cartas, alvarás e livramentos
redigidos pelo escrivão e assinados por si. O chanceler e o escrivão deviam ser
homens de boa fama, e o escrivão devia saber escrever bem e estar disposto a manter
em segredo tudo o que ouvia e a usar bem e direitamente do seu ofício. O porteiro
estava encarregado de executar as ordens e sentenças do rabi-mor, assim como os
arrestos, penhoras de bens e prisões. No caso de a comuna se recusar a pagar os
impostos que lhe eram atribuídos pelo rabi-mor, o porteiro podia também confiscar
os bens dos oficiais da comuna. Estes três funcionários deviam ser escolhidos pelo
rabi-mor e podiam ser judeus ou cristãos. Como o rabi-mor não era necessariamente
um homem versado na lei judaica, o rei ordenava também que entre o pessoal houvesse
sempre um letrado judeu de boa fama e condição, cujo conhecimento do Talmude
ajudaria o rabi-mor a resolver complexas questões judiciais fora da sua própria
competência. Além disso, uma vez que muitos rabis-mores combinavam também este cargo
com os de médico real e/ou tesoureiro-mor da Coroa, o seu tempo para realizar
visitas era severamente limitado. Para remediar este problema, e facilitar o acesso
à justiça a todos os judeus portugueses, seriam nomeados magistrados judeus especiais,
os ouvidores, para servir de delegados do rabi-mor em sete comarcas judiciais.
No reinado de João I, as sedes destas
comarcas estabeleceram-se no Porto, Torre de Moncorvo, Viseu, Covilhã, Évora, Santarém
e Faro. Os poderes e funções dos ouvidores eram exactamente os mesmos que os do
rabi-mor e cada um tinha uma chancelaria, selo, chanceler, escrivão e porteiro.
Sempre que visitasse uma comarca, o rabi-mor assumia as funções do ouvidor
local até voltar a partir». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus
e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.
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