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Manuel I e o fim da tolerância religiosa
(1496 - 1497
Organização comunitária: judiarias,
mourarias e comunas
«(…) Além do rabi-menor, cada
comuna tinha também uma câmara de vereação, que se reunia na sinagoga principal
e era constituída por um número variável de vereadores, procuradores e homens-bons.
No reinado de Pedro I, cada comuna devia ter, em teoria pelo menos, três vereadores
e dois procuradores, excepto Lisboa, que tinha doze e mais tarde oito. O rabi-menor
e os vereadores eram eleitos anualmente e iniciavam as suas funções no Ano Novo
judaico. Apenas em Lisboa eram eleitos para um mandato mais longo de três anos.
Em todos os casos, porém, a sua eleição tinha de ser ractificada pela Coroa e,
assim, o rei reservava o direito potencial de vetar qualquer nomeação. Este
processo, aparentemente, estava muitas vezes sujeito a irregularidades. Documentos
na chancelaria régia mostram que alguns rabis-menores eram nomeados directamente
pela Coroa.
A câmara da comuna e os seus oficiais,
como a câmara municipal cristã, eram responsáveis pela manutenção dos edifícios
comunitários, como a sinagoga, e pela gestão das suas receitas. Cada comuna tinha
o direito de criar as suas próprias leis e ordenações. Infelizmente, não
sobreviveram em Portugal quaisquer estatutos comunais semelhantes aos instituídos
por comunidades judaicas noutras partes da Península Ibérica e as fontes
documentais disponíveis revelam muito pouco sobre a composição da câmara. Segundo
as ordenações de Afonso V (1438-1481), que pretendiam impor uma prática uniforme,
os nomes de judeus elegíveis deviam ser inscritos em bolinhas de papel (pelouros),
de entre as quais seriam sorteados os oficiais da comuna, incluindo o rabi-menor.
Este sistema de eleição parece ter sido idêntico àquele praticado nas câmaras
cristãs de Portugal para eleger os funcionários municipais. Existem poucos dados
que nos revelem o modo como os candidatos elegíveis eram escolhidos e parece
que, nas grandes comunas judaicas, os artesãos mais humildes competiam com os mercadores
ricos pelo controlo da administração da comuna. Uma pesquisa aos oficiais das comunas
de Lisboa e de Évora mostra que um pequeno grupo de famílias ricas dominava o governo
das mesmas.
Alguns funcionários menores eram
nomeados para desempenhar funções governativas. Cada comuna tinha um tesoureiro,
um escrivão que mantinha os registos oficiais da comuna e um ou mais tabeliões,
autorizados pela Coroa a lavrar documentos legais. Embora estes cargos fossem normalmente
desempenhados por judeus, a lei permitia que os mesmos também fossem desempenhados
por cristãos. O número de tabeliões variava de acordo com a dimensão da comunidade.
Nas últimas décadas do século XV, Lisboa tinha seis, Santarém e Évora tinham ambas
três e o Porto dois. Outras comunas empregavam provavelmente um único tabelião.
Cada tabelião pagava uma taxa à Coroa em troca do seu ofício e tinha de apresentar
fiadores. Por fim, um funcionário especial, o almotacé, era por vezes encarregado
de inspeccionar o mercado comunitário. Os outros funcionários das comunas judaicas
eram os contadores dos feitos e custas e os procuradores de número.
No topo da estrutura administrativa
das comunas dos judeus, e da sociedade judaica em Portugal, estava o rabi-mor,
figura semelhante ao Rab Mayor de la Corte em Castela. Desde o reinado de
Afonso Henriques, o rabi-mor era o líder inequívoco e incontestado das comunidades
judaicas do Portugal medievo. O rabi-mor não era eleito pelos judeus, mas nomeado
pela Coroa, e era normalmente um cortesão judeu que gozava das boas graças do rei.
Era responsável perante o rei pela boa administração das comunidades judaicas em
todo o reino e, em troca, representava também os interesses dos judeus portugueses
na corte, funcionando como seu interlocutor junto do rei. Pouco se sabe das
tarefas precisas e jurisdição do rabi-mor antes do fim do século XIV. Só com o foral
concedido pelo rei Fernando I (1367-1383) ao rabi-mor Yehuda b. Menir em 1373, e
com os documentos posteriores do reinado de João I (1384-1433), é que começa a surgir
um quadro pormenorizado dos importantes deveres e poderes desse cargo. O foral emitido
por Fernando I decretava que o rabi-mor devia visitar as comunas judaicas em Portugal
e corrigir quaisquer injustiças feitas às mesmas e ouvir as queixas da população
contra as autoridades comunitárias e aqueles judeus poderosos que não obedeciam
aos funcionários da comuna. A jurisdição do rabi-mor abrangia todas as causas cíveis
e criminais entre judeus e recursos contra as sentenças dos rabis-menores. O rabi-mor
devia também confirmar a eleição anual dos rabis-menores em nome do rei e podia
convocar representantes de cada comunidade para discutir a distribuição dos
impostos régios entre as diferentes comunas do reino de acordo com a sua população
e riqueza». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal,
2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.
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