Manuel I e o fim da tolerância religiosa
(1496 - 1497
Organização comunitária: judiarias,
mourarias e comunas
«(…) As cidades de Lisboa e Porto
tinham ambas várias judiarias, embora estas não fossem todas contemporâneas
umas das outras nem de tamanho igual. Em Lisboa, estes bairros judeus eram a Judiaria
Grande, a Judiaria Nova e a Judiaria de Alfama. A primeira, como sugere o nome,
era a maior e a mais antiga. A Judiaria Nova e a Judiaria de Alfama nasceram
ambas durante o século XIV. Uma quarta judiaria, com o nome de Pedreira,
encontra-se pouco documentada e parece que deixou de existir no início do
século XIV, durante o reinado de Dinis I. No Porto, a população judaica
reunia-se na Judiaria do Olival, na Judiaria Velha e, fora das muralhas da
cidade, nas judiarias de Monchique e Gaia. Outras cidades tinham mais de uma
judiaria: Coimbra tinha três e Guarda e Lamego duas cada, mas tudo indica que a
maioria das cidades portuguesas tinha apenas uma judiaria. Por outro lado,
nenhuma cidade portuguesa parece ter tido mais do que um único bairro muçulmano.
Lisboa, por exemplo, tinha apenas uma mouraria, situada na encosta noroeste do
Castelo de São Jorge. A sua localização fora das muralhas da cidade levou a que
fosse muitas vezes identificada em documentos como o arrabalde dos mouros.
Um viajante polaco de visita a Lisboa em 1484 ficou algo espantado por ver que a
cidade (...) tem muitos pagãos (i.e. muçulmanos) a viver nos seus arrabaldes e
eles ocupam mesmo uma parte dos mesmos (...) um subúrbio no qual até agora têm
residido e construído as suas casas sem que ninguém os perturbe.
As comunas dos judeus
As comunas não eram entidades
físicas, mas corporações administrativas e jurisdicionais reconhecidas
oficialmente e reunindo judeus ou muçulmanos a viver numa determinada cidade ou
zona. Noutros lugares na Península Ibérica, a palavra arábica aljama era
geralmente usada para descrever estas corporações legalmente constituídas, mas
em Portugal o termo latino comuna foi adoptado nos documentos oficiais. A organização
administrativa e judicial das comunas judaicas e muçulmanas baseava-se, em grande
parte, no sistema do concelho cristão, que constituía a base da organização administrativa
de Portugal na Idade Média. A comuna podia incluir várias judiarias. Assim, os judeus
de Lisboa formavam apenas uma comuna, apesar de existirem três judiarias distintas
na cidade. Os núcleos judaicos ou muçulmanos mais pequenos ficavam sob a jurisdição
das autoridades das comunas de grupos maiores. As autoridades judaicas de Leiria,
por exemplo, gozavam de autoridade jurisdicional sobre os habitantes judeus de vilas
vizinhas mais pequenas.
A nível local, o chefe de cada
comuna judaica em Portugal e a sua autoridade judicial superior era o
rabi-menor. Cada comuna tinha um único rabi-menor encarregado da sua administração,
excepto Lisboa, que tinha dois, provavelmente devido ao tamanho da sua população
judaica. Estes rabis tinham o poder de actuar como magistrados, julgando em primeira
instância todas as causas cíveis e crimes entre judeus ou entre cristãos e judeus
quando estes últimos eram os réus. O rabi-menor podia punir os transgressores com
multas, prisão, castigos corporais, exílio da comuna e até a excomunhão.
Nalgumas comunas maiores, o rabi-menor podia ser auxiliado por um inquisidor dos
feitos e um alcaide pequeno. Às vezes, o rabi-menor chamava mesmo funcionários régios
para o ajudar a prender judeus delinquentes. Além disso, na sua capacidade de juiz
dos órfãos, o rabi-menor era também responsável pela nomeação de tutores e guardiães
para as crianças órfãs da sua comunidade». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus
e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.
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