sábado, 8 de dezembro de 2018

A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal. François Soyer. «As comunas não eram entidades físicas, mas corporações administrativas e jurisdicionais reconhecidas oficialmente e reunindo judeus ou muçulmanos»

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Manuel I e o fim da tolerância religiosa (1496 - 1497
Organização comunitária: judiarias, mourarias e comunas
«(…) As cidades de Lisboa e Porto tinham ambas várias judiarias, embora estas não fossem todas contemporâneas umas das outras nem de tamanho igual. Em Lisboa, estes bairros judeus eram a Judiaria Grande, a Judiaria Nova e a Judiaria de Alfama. A primeira, como sugere o nome, era a maior e a mais antiga. A Judiaria Nova e a Judiaria de Alfama nasceram ambas durante o século XIV. Uma quarta judiaria, com o nome de Pedreira, encontra-se pouco documentada e parece que deixou de existir no início do século XIV, durante o reinado de Dinis I. No Porto, a população judaica reunia-se na Judiaria do Olival, na Judiaria Velha e, fora das muralhas da cidade, nas judiarias de Monchique e Gaia. Outras cidades tinham mais de uma judiaria: Coimbra tinha três e Guarda e Lamego duas cada, mas tudo indica que a maioria das cidades portuguesas tinha apenas uma judiaria. Por outro lado, nenhuma cidade portuguesa parece ter tido mais do que um único bairro muçulmano. Lisboa, por exemplo, tinha apenas uma mouraria, situada na encosta noroeste do Castelo de São Jorge. A sua localização fora das muralhas da cidade levou a que fosse muitas vezes identificada em documentos como o arrabalde dos mouros. Um viajante polaco de visita a Lisboa em 1484 ficou algo espantado por ver que a cidade (...) tem muitos pagãos (i.e. muçulmanos) a viver nos seus arrabaldes e eles ocupam mesmo uma parte dos mesmos (...) um subúrbio no qual até agora têm residido e construído as suas casas sem que ninguém os perturbe.

As comunas dos judeus
As comunas não eram entidades físicas, mas corporações administrativas e jurisdicionais reconhecidas oficialmente e reunindo judeus ou muçulmanos a viver numa determinada cidade ou zona. Noutros lugares na Península Ibérica, a palavra arábica aljama era geralmente usada para descrever estas corporações legalmente constituídas, mas em Portugal o termo latino comuna foi adoptado nos documentos oficiais. A organização administrativa e judicial das comunas judaicas e muçulmanas baseava-se, em grande parte, no sistema do concelho cristão, que constituía a base da organização administrativa de Portugal na Idade Média. A comuna podia incluir várias judiarias. Assim, os judeus de Lisboa formavam apenas uma comuna, apesar de existirem três judiarias distintas na cidade. Os núcleos judaicos ou muçulmanos mais pequenos ficavam sob a jurisdição das autoridades das comunas de grupos maiores. As autoridades judaicas de Leiria, por exemplo, gozavam de autoridade jurisdicional sobre os habitantes judeus de vilas vizinhas mais pequenas.
A nível local, o chefe de cada comuna judaica em Portugal e a sua autoridade judicial superior era o rabi-menor. Cada comuna tinha um único rabi-menor encarregado da sua administração, excepto Lisboa, que tinha dois, provavelmente devido ao tamanho da sua população judaica. Estes rabis tinham o poder de actuar como magistrados, julgando em primeira instância todas as causas cíveis e crimes entre judeus ou entre cristãos e judeus quando estes últimos eram os réus. O rabi-menor podia punir os transgressores com multas, prisão, castigos corporais, exílio da comuna e até a excomunhão. Nalgumas comunas maiores, o rabi-menor podia ser auxiliado por um inquisidor dos feitos e um alcaide pequeno. Às vezes, o rabi-menor chamava mesmo funcionários régios para o ajudar a prender judeus delinquentes. Além disso, na sua capacidade de juiz dos órfãos, o rabi-menor era também responsável pela nomeação de tutores e guardiães para as crianças órfãs da sua comunidade». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.

Cortesia de E70/JDACT