quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

História dos Judeus Portugueses. Carsten L. Wilke. «A primeira ruptura foi o decreto de expulsão de 1496, transformada, pela força, em conversão geral no ano seguinte. Fez com que Portugal se transformasse…»

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«(…) Os livros históricos sobre judeus portugueses, na maior parte, não foram obra dos judeus portugueses, mas de historiadores de outras origens, juntando as suas problemáticas próprias a essa história fascinante. Em Portugal, invoca-se a presença judaica para se redescobrir a complexidade pluralista das comunidades em solo nacional. E no mundo clerical, feudal e colonial, que foi o da história portuguesa, os historiadores esquerdistas valorizaram o drama duma minoria, que foi o adversário e a vítima. Houve, com ela, um núcleo do mundo moderno numa sociedade cristã, que o ignorava, tolerava e, por fim, o perseguia e suprimia. Ainda assim, foi difícil aceitar o facto de que esses espíritos críticos pertenciam a uma religião, que o preconceito esquerdista tinha por pouco moderna.
Na historiografia judaica, os judeus portugueses constituem o vínculo que unifica duas narrativas: o século do ouro do judaísmo hispânico e a emancipação na modernidade. Um livro colectivo, editado por Richard Barnett há vinte/trinta anos, popularizou a noção dos sefarditas ocidentais. O Ocidente, neste contexto, não é realidade geográfica, mais simbólica: os sefarditas de Marraquexe são orientais, mas os de Veneza, ocidentais. Os judeus portugueses ou sefarditas ocidentais representam um aspecto da modernidade antes da época moderna, anunciadora da emancipação, com dois séculos de antecipação.
Esta noção não fala de judeus em Portugal, nem de sefarditas ocidentais; fala, sim, de judeus portugueses, e trata de conhecer a sua visão sobre a sua própria identidade histórica, que teceu, numa parte da diáspora judaica, a identificação com Portugal, no uso da língua, na memória das origens, no mito da expansão. O ser judeu português recebeu ainda outras propriedades: a mudança de religião, a mobilidade identitária. Na Espanha do século XVII, ser português é ser cristão-novo; na diáspora judaica, ser português significa ser judeu-novo, apóstata voltado à lei de Israel. Ser judeu português foi ser participante duma experiência cultural dolorosa e libertadora. Há que escrever a história dos judeus portugueses através dessas rupturas. O abade Vertot chamou, em 1758, ao seu livro de história portuguesa Histoire des révolutions du Portugal, História das revoluções de Portugal,: e, do mesmo modo, também a história judaica portuguesa só se entende como uma história de mudanças e de revoluções. Não nos servem muito os juízos gerais sobre a identidade judaica, nem portuguesa. O que faz falta é conhecer que revoluções foram essas, quando se fizeram, como, por quem, porquê, com que efeitos, a curto e a longo prazo, e como condicionaram a revolução seguinte.
A primeira ruptura foi o decreto de expulsão de 1496, transformada, pela força, em conversão geral no ano seguinte. Fez com que Portugal se transformasse, de um pais excepcionalmente tolerante, no contexto da Idade Média europeia, num país de uma única religião, exclusiva e repressiva, e, portanto, num país que, com poucas excepções, não aceitava judeus declarados no seu solo. A supressão brutal da presença judaica, até então reconhecida no país, foi, na verdade, o resultado dessa marcada presença. Sendo os judeus indispensáveis na administração e na economia portuguesa, teria sido economicamente desastroso expulsá-los; porém, exigindo a Espanha a sua expulsão, não expulsá-los teria causado uma crise diplomática. O monarca Manuel I, obrigando os judeus a baptizarem-se, conseguiu as duas condições para a expansão: um século de paz com Espanha, e uma classe financeira doméstica. Conseguiu a quadratura do círculo». In Carsten L. Wilke, História dos Judeus Portugueses, 2007, Edições 70, 2009, ISBN 978-972-441-578-9.

Cortesia de E70/JDACT