Cortesia
de wikipedia e jdact
Chartres. Norte da França
«(…) Mantendo-se no mesmo passo, as três figuras se
adiantam devagar. Ele ensaiou isso e sabe o que esperar, sabe o que se espera
dele, embora sinta os próprios pés um pouco instáveis. Faz calor ali dentro em
comparação com o corredor, e está escuro. A única luz vem das velas arrumadas
nas alcovas e sobre o altar, projectando sombras que dançam pelo chão. A
adrenalina corre pelo seu corpo, embora ele se sinta estranhamente alheio aos
acontecimentos. A porta fechando-se atrás dele o faz sobressaltar. Os quatro
ajudantes mais graduados estão em pé marcando norte, sul, leste e oeste do
aposento. Ele quer desesperadamente levantar os olhos e ver melhor, mas
força-se a manter a cabeça baixa e o rosto escondido, como foi instruído a
fazer. Pode sentir as duas fileiras de iniciados alinhadas nas laterais mais
compridas da câmara 12 rectangular, seis de cada lado. Pode sentir o calor de
seus corpos e ouvir o subir e descer da sua respiração, mesmo que ninguém se mova nem diga nada.
Graças aos documentos que recebeu, ele decorou a disposição
do aposento, e enquanto caminha em direcção ao sepulcro no seu centro pode
sentir os olhos de todos nas suas costas. Pergunta-se se conhece algum deles.
Colegas de profissão, mulheres de outros homens, qualquer um pode ser membro.
Não pode evitar que um ténue sorriso lhe suba aos lábios enquanto se permite
fantasiar, por um instante, sobre a diferença que fará o facto de ele ser aceite
na sociedade. É trazido bruscamente de volta ao presente quando tropeça e quase
cai por cima da pedra que serve de genuflexório na base do sepulcro. A câmara é
menor do que a planta o fizera pensar, mais confinada e claustrofóbica. Ele
esperava que a distância entre a porta e a pedra fosse maior.
Quando ele se ajoelha sobre a pedra, ouve-se um arquejo
vindo de alguém perto dele, e ele pergunta o motivo. O seu coração começa a
bater mais depressa e, quando baixa os olhos, ele vê que as articulações dos
seus dedos estão brancas. Envergonhado, junta as mãos, antes de se lembrar e
tornar a deixar os braços caírem ao lado do corpo, onde devem ficar. Há uma
leve depressão no centro da pedra, que parece dura e fria sob seus joelhos
através do fino tecido da túnica. Ele mexe o corpo de leve, tentando encontrar
uma posição mais confortável. O desconforto lhe dá algo em que se concentrar, e
ele se sente grato por isso. Ainda está tonto e tem dificuldade para se
concentrar ou se lembrar da ordem em que as coisas devem acontecer, muito
embora a tenha repassado vezes sem conta na mente.
Um sino começa a soar dentro da câmara, uma nota aguda,
cortante; um cântico baixo a acompanha, de início ténue, mas rapidamente mais
alto à medida que vai ganhando novas vozes. Fragmentos de palavras e expressões
reverberam por sua cabeça: montanhas; noblesa, nobreza; libres, livros;
graal... A Sacerdotisa desce do grande altar e caminha pela câmara. Ele mal
pode escutar o arrastar dos seus pés e imagina como sua túnica dourada deve
cintilar e ondular à luz vacilante das velas. Esse é o momento pelo qual ele
estava esperando. Je suis prêt, repete entre os dentes. Dessa vez, com
convicção.
A Sacerdotisa se imobiliza diante dele. Ele pode sentir o seu perfume, subtil
e leve sob o aroma pungente do incenso. Solta um arquejo quando ela se inclina
e segura a sua mão. Os dedos dela estão
frescos e as unhas bem-feitas, e um espasmo de eletricidade, quase desejo, sobe
pelo seu braço quando ela aperta algo pequeno e redondo na palma da sua mão, e
em seguida faz seus dedos fecharem-se
sobre o objecto. Nesse momento, mais do que tudo que jamais quis na vida, ele quer ver o rosto dela. Mas mantém os olhos voltados para o
chão, como lhe foi ensinado». In Kate Mosse, O Labirinto Perdido, Labyrinth, 2005,
Publicações dom Quixote, 2006, ISBN 978-972-202-969-8.
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