Chartres. Norte da França
«(…) Os quatro ajudantes mais graduados deixam as suas
posições e se movem para junto da Sacerdotisa. A sua cabeça é inclinada para
trás, com delicadeza, e um líquido espesso e doce escorre por entre os seus
lábios. É o que esperava, e ele não resiste. Conforme o calor se espalha pelo
seu corpo, ele levanta os braços e os seus companheiros ajeitam um manto
dourado sobre os seus ombros. Aquelas pessoas estão acostumadas com o ritual,
mas mesmo assim ele pode sentir o nervosismo. De repente, ele sente algo como
uma tira de ferro em volta do pescoço, apertando a sua traqueia. Suas mãos voam
para a própria garganta enquanto ele luta para respirar. Tenta gritar, mas as
palavras não vêm. A nota aguda e cortante do sino começa outra vez a ressoar,
constante e persistente, submergindo-o. Uma onda de náusea percorre o seu
corpo. Ele pensa que vai desmaiar e agarra o objecto na sua mão em busca de
conforto, com tanta força que as suas unhas cortam a pele macia da palma da sua
mão. A dor intensa o ajuda a não cair. Agora ele entende que as mãos nos seus
ombros não são reconfortantes. Não o estão amparando, mas sim segurando-o.
Outra onda de náusea o 13 submerge e a pedra parece mover-se e escorregar sob o
peso do seu corpo.
Seus olhos estão embaçados e ele não consegue focalizar
nada, mas pode ver que a Sacerdotisa está segurando uma faca, embora não tenha
ideia de como a lâmina prateada foi parar na sua mão. Tenta se levantar, mas a
droga é forte demais e já lhe tirou as forças. Ele não consegue mais controlar
os braços e pernas. Non!, tenta gritar, mas é tarde demais. De início, pensa
ter levado um soco entre os ombros, só isso. Então uma dor difusa começa a espalhar-se
pelo seu corpo. Algo morno e macio escorre lentamente por suas costas. Sem
aviso, as mãos o soltam e ele cai para a frente, desabando como uma boneca de
pano enquanto o chão parece erguer-se e vir ao seu encontro. Não sente dor
quando a sua cabeça bate no chão, cujo contacto na sua pele parece de alguma
forma fresco e agradável. Todo o barulho, toda a confusão e medo estão indo
embora. As uas pálpebras estremecem e se fecham. Ele não tem mais consciência
de nada a não ser da voz dela, que parece vir de muito longe.
Une leçon. Pour tous, ela parece dizer, embora isso não
faça sentido. Em seus últimos e entrecortados instantes de consciência, o homem
acusado de revelar segredos, condenado por ter falado quando deveria ter ficado
calado, segura o cobiçado objecto com força na mão até a sua ligação à vida
cessar e o pequeno disco cinza, do tamanho de uma moeda, rolar para o chão. Numa
das faces do disco estão inscritas as letras NV. Na outra está gravado um
labirinto.
Pic
de Soularac. Montes Sabarthés
Por um instante, tudo é silêncio. Então a escuridão se
dissolve. Alice não está mais na caverna. Está flutuando num mundo branco, sem
gravidade, transparente, pacífico e silencioso. Está livre. Segura. Alice tem a
sensação de deslizar para fora do tempo, como se estivesse caindo de uma dimensão
para outra. A linha entre passado e presente agora desaparece nesse lugar onde
não existe tempo nem espaço. Então, como o alçapão de um cadafalso, Alice sente
um súbito puxão, uma queda, e começa a despencar pelo céu aberto, caindo,
caindo em direcção à encosta coberta de florestas da montanha. O ar frio silva nos
seus ouvidos enquanto ela mergulha, cada vez mais depressa e com mais força,
rumo ao chão. O instante do impacto nunca chega. Os ossos não se partem nas
pedras e sílices cinzentos. Em vez disso, Alice cai no chão correndo, e segue
aos tropeços por um caminho íngreme e irregular no meio da floresta, entre duas
colunas de árvores altas. Densas, imponentes, elas se erguem acima dela
tornando impossível ver o que há atrás. Rápido demais.
Alice agarra-se aos galhos como se eles pudessem reduzir a velocidade da sua queda, impedir
esse voo de cabeça rumo a um lugar desconhecido, mas as suas mãos passam directo
pela vegetação como se ela fosse um fantasma ou espírito. As uas mãos arrancam
tufos de pequenas folhas, como cabelos numa escova. Ela não pode senti-los, mas
a seiva
tinge de verde as pontas dos seus dedos. Ela os leva até ao
rosto para inalar o seu aroma delicado, acre. Tampouco consegue sentir o seu
cheiro. Alice
sente
uma dor na lateral do abdómen, mas não consegue parar porque há algo
atrás dela, se aproximando cada vez mais. O caminho continua muito íngreme sob os seus
pés. Pela textura, tem consciência de que raízes secas e pedras substituíram a
terra macia, o musgo e os galhos no caminho. Mesmo assim, não há ruído. Nenhum
pássaro canta, nenhuma voz chama, não se ouve nada a não ser a sua
respiração irregular. O caminho arqueia e se dobra para um lado e para o outro, lançando-a
para lá e para cá, até que ela faz uma curva e vê o silencioso muro de chamas
que impede a passagem logo adiante». In Kate Mosse, O Labirinto Perdido, Labyrinth, 2005,
Publicações dom Quixote, 2006, ISBN 978-972-202-969-8.
Cortesia de
PdomQuixote/JDACT