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As
Crianças de Cárquere. 1146
Lamego, Agosto de 1146
«(…) Serei sempre vossa, aprovou
Chamoa. Agradado, Afonso Henriques comparou-a com a rainha. A francesa é um
peixe frio, mas vós sois um tição! A minha cunhada sentiu-se melhor do que a
outra.
Pode ser rainha, mas não o mima
como eu!
Emocionada, Chamoa imaginou um
ano de encontros assim. Com a rainha fora de combate, era certo e seguro que Afonso
Henriques viria à sua cama muitas vezes. De rabo levantado e cara enfiada nas
almocelas, chegou a fantasiar engravidar de novo, dando-lhe mais um filho. Tal
era a sua loucura que só tarde de mais ouviu o barulho de alguém a entrar. Afonsô,
tu est la?, berrou Mafalda. Chamoa gelou, enquanto Afonso Henriques continuava a
fustigá-la com fervor, só se apercebendo de que fora apanhado em flagrante
quando a porta do quarto se abriu. Tu est avec la vache?, vociferou a princesa
da Sabóia. O que se seguiu foi uma enorme confusão. Mafalda, totalmente transtornada,
desatou às estaladas, acertando ora nas pernas nuas do rei de Portugal, ora nas
de Chamoa. La pute, je vais la tuer!, gritava Mafalda. O meu amigo gigante
obrigou-a a sair daquela casa, deixando sozinha Chamoa, confusa e abandonada.
Que vergonha, Virgem Santíssima!
Em lágrimas, a minha cunhada deu-se
conta das implacáveis ironias do destino. Anos antes, descobrira Afonso Henriques
na cama com Elvira Gualter. Agora, os papéis invertiam-se. De legítima
enganada, passara a amante adúltera.
Que
tola sou, não ganhei nada, só perdi.
As mulheres grávidas ficam
diferentes..., resmungou Afonso Henriques, quando me mandou chamar. A rainha
perturbara-se, por isso fizera uma cena. Mas o verdadeiro problema era o
adultério real já ser público e julgado escandaloso. Tanto o arcebispo de
Braga, João Peculiar, como o prior Teotónio, de Santa Cruz, consideravam
inaceitável tanta pouca-vergonha, apontando o dedo à duvidosa Chamoa. E mesmo Peres
Cativo, sempre tão tolerante com histórias de cama, avisou que, se cena assim se
repetisse, Pêro Pais nunca chegaria a alferes.
Chamoa que vá para Tui por uns
meses, comunicou-me Afonso Henriques. Que leve dona Justa e os filhos, incluindo
o Pêro Pais! Como era costume, fui o encarregado de dar as más notícias. Sem
surpresa, a minha cunhada aceitou o seu triste fadário, avisando-me apenas de
que seria difícil Pêro Pais acompanhá-la, pois andava a divertir-se em Coimbra
com as três moçárabes. Ide convencê-lo, dizei-lhe que Mem não está cá,
sugeriu ela.
O almocreve promovido a cavaleiro
andava a recuperar as ruínas de Almourol. Talvez a sua ausência permitisse a Pêro
Pais deixar Coimbra por uns tempos. Não está, mas pode voltar!, contestou este.
O filho mais velho de Chamoa, prestes a cumprir vinte anos, atingira o apogeu
do seu convencimento masculino. Galanteador e bem-parecido, conquistava
corações femininos onde quer que fosse e tinha em Coimbra uma lista de amigas vasta,
onde se incluíam filhas de lavradores, criaditas, meninas mais atrevidas de boas
famílias e, está claro, as três moçárabes que Mem trouxera de Lisboa. Põem-se
todas de gatas à minha frente, gabava-se o meu sobrinho.
Com um atrevimento invulgar e uma
energia permanente, Pêro Pais saltitava de colo em colo, todas filhando com gosto.
Ainda por cima, já era conhecida a sua futura nomeação como alferes, o que multiplicara
o desejo das moças e mesmo o de mulheres mais velhas. Pelam-se por jovens
guerreiros..., explicava ele. Naturalmente, não queria abrir mão de tanto benefício,
nem criar um vazio que aproveitasse a Mem. Apesar dos seus quarenta anos, o
antigo almocreve era agora mais apetecível, devido ao recuperado castelo e ao recente
título de cavaleiro. Ainda leva as moçárabes para Almourol.., resmungou Pêro Pais».
In
Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras,
2017, ISBN 978-989-741-713-9
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