segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Conspiração no Vaticano. GL Barone. «O Grego não se considerava um homem mau, nem mesmo um terrorista. Gostava de se imaginar como um profissional freelancer que é contratado por quem precisa dos seus serviços»

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«(…) Weistaler parou o seu Audi mesmo atrás de uma carrinha preta e saiu agilmente do automóvel. Enquanto passava ao lado do carro e abria a porta do passageiro, pareceu-lhe ver o que estava a acontecer dentro da catedral, a poucos metros dele: um jovem sacerdote, com um bocado de ferro do tamanho de uma moeda entre os dedos, tentava abrir a vitrina que continha o Santo Sudário. Se tudo corresse segundo os planos, a maleta já devia estar nas mãos de Henkel. Ao volante da carrinha estava um gigante de origem grega que disse chamar-se Flavio Osios. Ninguém, vendo os dois lado a lado, poderia imaginar que o Grego, apenas quatro meses depois, o iria assassinar com um disparo de pistola na têmpora. Weistaler sacudiu a neve da gabardina azul e fechou a porta. Está tudo bem? Osios sorriu, mas o seu sorriso não era nada tranquilo. Não voltou a sair de casa, murmurou. Melhor assim, não? Vamos então, respondeu Weistaler.
O Grego não se considerava um homem mau, nem mesmo um terrorista. Gostava de se imaginar como um profissional freelancer que é contratado por quem precisa dos seus serviços. Pouco importava quem é o mandante do trabalho e quais os seus fins. Trabalhava pelo dinheiro. Aquilo que lhe tinha faltado durante toda a sua infância. E não o dinheiro para comprar, como os seus coetâneos, roupa ou sapatos da moda, mas sim para pôr o pão na boca. Era filho de um ex-marinheiro grego e de uma doméstica italiana. Dois esfomeados que passaram a vida colados ao sofá daquele casebre ao qual chamavam casa. Recordava-os como dois parasitas e tinha-os abandonado assim que teve oportunidade. Não os via desde os dezassete anos nem nunca mais soube deles. Quem sabe se ainda estavam vivos.
Tudo o que era devia-o apenas a si mesmo: ainda adolescente, no final dos anos setenta, tinha-se autofinanciado com pequenos furtos na sua Trieste natal e, a seguir, depois de um ano na prisão para menores, tinha passado à caça grossa, diversificando os seus negócios; atrás das grades, apercebeu-se de que tinha uma grande sorte, ou seja, de viver numa zona que conhecia na perfeição, muito próxima da fronteira com a Jugoslávia.
Certamente que também ajudaram os denominados anos de chumbo e as excelentes pistolas de fabrico jugoslavo. A sua contribuição pessoal, porém, já vinha de longe: tinha estado em todos os teatros de guerra do Médio Oriente nos anos oitenta. Vendia pistolas e espingardas adquiridas pelos seus vizinhos comunistas e, quando podia, também era mercenário. Com o tempo tinha finalmente ganho, no seu meio, a fama de homem de confiança e de boa liderança. Osios e Weistaler atravessaram a Piazza de San Giovani a pé e velozmente. Pararam em frente à porta do edifício fronteiro à catedral, mesmo ao lado das montras tapadas da Real Farmácia XX Setembro. Era a mesma porta onde trabalhava o jovem de cabelo ruivo que tinha fornecido os códigos numéricos a Weistaler. Sem se preocuparem em não fazer barulho, subiram a escadaria interior e, chegados ao segundo andar, tocaram à campainha.
O presidente da Comissão para a Conservação do Santo Sudário tinha ouvido um grande alarido pelas escadas e agora estava imóvel à entrada do seu apartamento. Era um homem baixo, careca e de meia-idade. A campainha tocou, e tocou novamente. Foram necessários diversos toques antes de se decidir. Aproximou-se do visor e tentou observar os dois desconhecidos. Não os conseguia ver bem pois o vão da escada estava escuro. Podia ser alguém que precisava dele? Por precaução, colocou a corrente na porta e abriu uma pequena fresta para poder ver melhor. Nem sequer teve tempo para abrir a boca, pois um empurrão fê-lo cambalear para trás. A pequena corrente foi arrancada da parede, e a porta ficou escancarada». In GL Barone, Conspiração no Vaticano, 2013, Casa das Letras, 2013, ISBN 978-972-462-197-5.
                 
Cortesia de CdasLetras/JDACT