A Cizânia no Meio do Trigo
«(…) Cada um tem dificuldades diferentes
e os graus de culpa não são mensuráveis apenas pela balança do decálogo: os
pesos morais estão em pratos correspondentes, o do seu conhecimento consciente e
o da paternidade divina. A moral não é uma coisa estática; é um processo no
qual valores passados são testados de novo, postos à prova em contextos de vida
diferentes. Por vezes, estes valores éticos são repensados à luz da experiência
da vida contemporânea, revelam-se como não plenamente adequados e, por conseguinte,
carecem de ser readaptados à autenticidade da mensagem de Cristo que, não
sendo, nunca, estática, é sempre original.
Embora os Apóstolos tivessem
escrito, no primeiro Concílio de Jerusalém, em carta aos irmãos de Antioquia, Síria
e Cilícia decidimos, o Espírito Santo e nós, não impor-vos nenhuma outra obrigação
para além destas coisas necessárias: abster-vos das carnes oferecidas aos ídolos,
do sangue dos animais sufocados e da impudícia. Andareis bem se vos abstiverdes
destas coisas, hoje nenhum moralista imporia aquelas proibições sob pena de pecado
grave, que, na fase da revelação apostólica, foram julgadas coisas necessárias e
impostas pelo Espírito Santo.
O conceito de bons costumes é um conceito
dinâmico para o qual concorrem, em diferentes medidas, múltiplos elementos de princípio
e práticos, de ideologias e de contextos, de tradições e de técnica, de humanismo
e de ciência, de progresso e de involução, de orientações e de comportamentos. O
Senhor serve-se também da miséria, diz Primo Mazzolari. Não sabemos até onde um
pecado nos afasta momentaneamente de Deus e onde Ele coloca os comandos de uma
ponte para o caminho do regresso. E Einstein dizia, à sua maneira, crer num Deus
grande e misericordioso que pensa e se ocupa de tudo, tão-santo que o considerava
alheio à morbosidade de inspeccionar quando muito os testículos do homem.
Santo Isac Sírio chegou a dizer: Deus
não é justo, mas Amor sem limites; e Estêvão Avtandilian, bispo arménio de Tíflis,
em1789, ensinava: uma tolerância não reactiva sobre factos morais em consciência
não inquietantes, embora repreensíveis, pode, na prática, tornar-se, em alguma medida,
mais vantajoso do que um estéril ensinamento pastoral proibitivo. De facto, o
Evangelho ensina que a cizânia arrancada a tempo sem ter estragado o trigo ao lado,
se se extirpasse inoportunamente, levaria a que se arrancasse também o trigo e
à esterilidade do campo. Nesse caso não é aconselhável inquietar as consciências
dos homens.
A lição de S. Bernardo
Cada
papa deveria decorar e repetir todas as manhãs o que S. Bernardo (1090-1153) escreveu
ao seu discípulo cisterciense, que se tornou Pontífice com o nome de Eugénio III,
que pedia ao seu Mestre que o aconselhasse sobre como desempenhar bem as funções
de Papa. Se, para além disso, o Pontífice reinante fosse alguém que viesse de longe,
isto é, em completo jejum acerca dos movimentos subterrâneos da cúria romana, esse
Papa desconhecedor deveria recitar com a mesma frequência do breviário o que foi
escrito por S. Bernardo na sua Consideração IV. Eugénio III (1145-53)
nunca tinha pensado tornar-se Papa; escolheu a rigorosa solidão claustral dos
cistercienses para não se embrenhar nas peias mundanas que já então enfraqueciam
a Igreja de Roma. Era um dos melhores discípulos de Bernardo, também ele de nome
Bernardo, talvez da família dos Paganelli de Montemagno, na província de Asti. Depois
da sua morte foi-lhe prestado o culto de beato, confirmado em l872. S. Bernardo
prescindiu dele apenas para o dar à Igreja para que a reformasse. Embora já Papa,
S. Bernardo continuou a julgar Eugénio III como aluno da sua escola onde lhe ministrou
lições de vida, as mais difíceis e duras. Extraímos aqui algumas passagens mais
relevantes não para servir de consolação aos protagonistas que fazem degenerar a
cúria e a Igreja, hoje, mas para exortar os reformadores a dispor-se para a obra
que a Senhora de Fátima pedia». In I Millenari, Via col vento in Vaticano, Kaos
Edizioni, 1999, O Vaticano contra Cristo, tradução de José A. Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005,
ISBN 972-46-1170-1.
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