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Isolado num escritório, limitado a um pequeno quarto, não convivia com ninguém.
O British Museum e os seus gentlemen afectados intimidavam-no; preferia a
companhia dos hieróglifos. Um manto de chuva gelada cobria Londres. O professor
Newberry convocou-o; sobre a sua secretária estavam os desenhos de Howard
Carter. O seu trabalho satisfaz-me inteiramente. Gostaria de passar a ser o
mais jovem membro do Egypt Exploration Fund? Que cargos implica essa distinção?
Percy E. Newberry sorriu. Para ser franco, Howard, tem o carácter mais
desconfiado e mais independente que o Criador colocou no meu caminho. Defeitos?
O destino decidirá. No que diz respeito à fundação científica privada, que
ficaria feliz por o acolher, tem por vocação o estudo das artes do Egipto
antigo e um melhor conhecimento da sua civilização.
Se
bem que Howard Carter tivesse decidido não deixar transparecer qualquer emoção,
arrebatou-o uma vaga de entusiasmo. É..., é maravilhoso! Portanto vou continuar
aqui a desenhar hieróglifos! Receio que não. Newberry revelou-se-lhe
subitamente como um demónio saído do Inferno, a fim de o torturar. Ao alcance
da sua mão havia um tinteiro. O professor apercebeu-se da sua intenção. Nada de
gestos irreflectidos, Howard; a situação é delicada. Terei cometido um erro?
Mandar-me embora porquê? Reage sem saber; esse entusiasmo poderia trazer-lhe
bastantes preocupações. Os conselhos ficam para depois; primeiro, a verdade!
Percy
Newberry, com as mãos cruzadas atrás das costas, voltou-se para a janela do
escritório e observou a chuva a cair. O pato dos hieróglifos é um bicho
venenoso, Howard; uma vez que nos mordeu é para toda a vida. Eu aceito desenhar
milhares de patos. Aceita também sacrificar tudo a esses voláteis? A posição
não o assustou. Quando se tem a felicidade de encontrar verdadeiros amigos,
conservam-se. O professor Newberry voltou-se novamente para o adolescente. Pois
bem, senhor Carter, ei-lo arqueólogo. Só resta um pormenor a regularizar. Qual?
As suas malas. Embarcamos amanhã para o Egipto.
Da
Alexandria, Howard Carter não viu nada; o professor Newberry estava com pressa
de apanhar o comboio para o Cairo. Logo que deu os primeiros passos no solo do
Egipto, o jovem sentiu-se liberto de dezassete anos de Inglaterra e de uma
família que desapareceram nas brumas do esquecimento. Só, mas subitamente
embriagado pelos milénios de uma civilização imortal, começava a viver.
Transportando
duas preciosas malas do professor, cheias do seu material científico, não teve sequer
vagar de saborear um Oriente colorido e perfumado. O caminho de ferro, linhas
telegráficas, um serviço postal, uma estação barulhenta... Não escondeu o seu
espanto. É verdade, Howard, o Egipto moderniza-se. Acaba infelizmente de
adoptar o árabe como língua oficial da administração e de autorizar um jornal
pregando a independência. Que loucura! Sem nós, o país seria condenado à ruína
e à miséria. Essa maldita gazeta recebeu o nome de al-Ahrâm. A Pirâmide. Que
profanação..., por felicidade, os extremistas não têm futuro algum. Acabarão na
prisão, à fé de Newberry! Abandonando o professor à sua vindicta, contemplou as
paisagens do Delta, casamento de água e de terra; as aldeias, construídas sobre
colinas, dormiam ao sol. Coortes de pássaros brancos sobrevoavam extensões
verdejantes povoadas de canaviais; camelos, pesadamente carregados, avançavam
com um passo majestoso pela crista dos diques que dominavam os campos de trigo.
Com o nariz colado à janela do comboio, passava de deslumbramento em
deslumbramento». In Christian Jacq, L’Affaire Toutankhamon, O Caso Tutankhamon, tradução
de Maria Carlota Guerra, Bertrand Editora, 1998, ISBN 972-250-750-8.
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