sexta-feira, 26 de abril de 2019

O Caso Tutankhamon. Christian Jacq. «Transportando duas preciosas malas do professor, cheias do seu material científico, não teve sequer vagar de saborear um Oriente colorido e perfumado»


Cortesia de wikipedia

«(…) Isolado num escritório, limitado a um pequeno quarto, não convivia com ninguém. O British Museum e os seus gentlemen afectados intimidavam-no; preferia a companhia dos hieróglifos. Um manto de chuva gelada cobria Londres. O professor Newberry convocou-o; sobre a sua secretária estavam os desenhos de Howard Carter. O seu trabalho satisfaz-me inteiramente. Gostaria de passar a ser o mais jovem membro do Egypt Exploration Fund? Que cargos implica essa distinção? Percy E. Newberry sorriu. Para ser franco, Howard, tem o carácter mais desconfiado e mais independente que o Criador colocou no meu caminho. Defeitos? O destino decidirá. No que diz respeito à fundação científica privada, que ficaria feliz por o acolher, tem por vocação o estudo das artes do Egipto antigo e um melhor conhecimento da sua civilização.
Se bem que Howard Carter tivesse decidido não deixar transparecer qualquer emoção, arrebatou-o uma vaga de entusiasmo. É..., é maravilhoso! Portanto vou continuar aqui a desenhar hieróglifos! Receio que não. Newberry revelou-se-lhe subitamente como um demónio saído do Inferno, a fim de o torturar. Ao alcance da sua mão havia um tinteiro. O professor apercebeu-se da sua intenção. Nada de gestos irreflectidos, Howard; a situação é delicada. Terei cometido um erro? Mandar-me embora porquê? Reage sem saber; esse entusiasmo poderia trazer-lhe bastantes preocupações. Os conselhos ficam para depois; primeiro, a verdade!
Percy Newberry, com as mãos cruzadas atrás das costas, voltou-se para a janela do escritório e observou a chuva a cair. O pato dos hieróglifos é um bicho venenoso, Howard; uma vez que nos mordeu é para toda a vida. Eu aceito desenhar milhares de patos. Aceita também sacrificar tudo a esses voláteis? A posição não o assustou. Quando se tem a felicidade de encontrar verdadeiros amigos, conservam-se. O professor Newberry voltou-se novamente para o adolescente. Pois bem, senhor Carter, ei-lo arqueólogo. Só resta um pormenor a regularizar. Qual? As suas malas. Embarcamos amanhã para o Egipto.

Da Alexandria, Howard Carter não viu nada; o professor Newberry estava com pressa de apanhar o comboio para o Cairo. Logo que deu os primeiros passos no solo do Egipto, o jovem sentiu-se liberto de dezassete anos de Inglaterra e de uma família que desapareceram nas brumas do esquecimento. Só, mas subitamente embriagado pelos milénios de uma civilização imortal, começava a viver.
Transportando duas preciosas malas do professor, cheias do seu material científico, não teve sequer vagar de saborear um Oriente colorido e perfumado. O caminho de ferro, linhas telegráficas, um serviço postal, uma estação barulhenta... Não escondeu o seu espanto. É verdade, Howard, o Egipto moderniza-se. Acaba infelizmente de adoptar o árabe como língua oficial da administração e de autorizar um jornal pregando a independência. Que loucura! Sem nós, o país seria condenado à ruína e à miséria. Essa maldita gazeta recebeu o nome de al-Ahrâm. A Pirâmide. Que profanação..., por felicidade, os extremistas não têm futuro algum. Acabarão na prisão, à fé de Newberry! Abandonando o professor à sua vindicta, contemplou as paisagens do Delta, casamento de água e de terra; as aldeias, construídas sobre colinas, dormiam ao sol. Coortes de pássaros brancos sobrevoavam extensões verdejantes povoadas de canaviais; camelos, pesadamente carregados, avançavam com um passo majestoso pela crista dos diques que dominavam os campos de trigo. Com o nariz colado à janela do comboio, passava de deslumbramento em deslumbramento». In Christian Jacq, L’Affaire Toutankhamon, O Caso Tutankhamon, tradução de Maria Carlota Guerra, Bertrand Editora, 1998, ISBN 972-250-750-8.

Cortesia de Wikipedia/JDACT