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de wikipedia e jdact
The British Museum. Londres. 14 de Novembro
«(…)
Um ribombar surdo passou pelo edifício do apartamento
e afastou-se. As vozes das equipas de emergência trouxeram-na de volta à sua
cama, de volta ao presente. Ela estava em Londres, não em Telavive. O ar
longamente reprimido escapou-se. Lágrimas subiram-lhe aos olhos. Limpou-as com
dedos trémulos. Ataque de pânico. Sentou-se enrolada na colcha da cama por mais
algumas arfadas. Ainda sentia vontade de chorar. Era sempre assim, dizia a si
própria, mas as palavras não ajudavam. Cingiu a colcha de lã em volta dos
ombros, os olhos fechados, o coração a martelar nos ouvidos. Praticou os
exercícios de respiração e tranquilização ensinados pela terapeuta. Inalar em
dois tempos, exalar em quatro. Deixou que a tensão se esvaísse em cada
movimento. A sua pele fria aqueceu gradualmente. Alguma coisa com peso aterrou
na sua cama. Um som ténue acompanhou-a. Como uma dobradiça a chiar. Estendeu
uma mão, acolhida por um ronronar de agrado. Anda cá, Billie, sussurrou ao
persa negro anafado.
Billie
encostou-se à palma da sua mão e roçou a base do focinho pelos dedos de Safia,
depois desmoronou simplesmente sobre as coxas dela como se os fios invisíveis
que sustentavam o gato tivessem sido cortados. As sirenes deviam tê-lo
perturbado da habitual ronda nocturna pelo apartamento. O suave ronronar
continuou no colo de Safia, um som de satisfação. Isso, mais do que os
exercícios de respiração, relaxou-lhe os músculos dos ombros. Só então notou o
arquear cauteloso das suas costas, como que receando um golpe que nunca
chegara. Forçou-se a endireitar a postura, alongando o pescoço. As sirenes e a
agitação continuavam a meio quarteirão do seu apartamento. Ela precisava de se
pôr de pé, de descobrir o que estava a acontecer. Qualquer coisa, simplesmente
para se mexer. O pânico transformara-se em energia nervosa. Moveu as pernas,
com cuidado para fazer deslizar Billie para a colcha da cama. O ronronar
interrompeu-se por um instante, depois recomeçou quando ficou claro que não
estava a ser expulso. Billie nascera nas ruas de Londres, criatura dos becos,
uma mistura selvagem de pêlo emaranhado e fúria. Safia encontrara o gatinho
estatelado e ensanguentado à entrada do edifício
de apartamentos, com uma perna partida, coberto de óleo, atingido por um carro.
Apesar da sua ajuda, ele tinha-a mordido na parte carnuda do polegar. Os amigos
disseram-lhe que levasse o gatinho para o abrigo de animais, mas Safia sabia
que tal lugar não era melhor que um orfanato. Assim, recolheu-o numa fronha de
almofada e transportou-o até a clínica veterinária local.
Teria
sido fácil passar ao lado dele nessa noite, mas já estivera tão abandonada e só
como o gatinho. Alguém também a recolhera nessa altura. E tal como Billie, ela
fora domesticada, mas nenhum deles acabara completamente domado, preferindo os
lugares selvagens e o esquadrinhar pelos cantos perdidos do mundo. Mas tudo
isso terminara com uma explosão num resplandecente dia de Primavera. Tudo culpa
minha... Choro e gritos encheram de novo a sua mente, fundindo-se com as
sirenes do presente. Respirando com dificuldade, Safia procurou o candeeiro de
cabeceira, uma pequena réplica Tiffany representando libelinhas em vitral.
Premiu o interruptor do candeeiro mais algumas vezes, mas o candeeiro
permaneceu apagado. Não havia electricidade.
A trovoada devia ter deitado abaixo uma linha de distribuição. Talvez fosse
essa a razão de toda a agitação. Que fosse tão simples quanto isso. Balançou
para fora da cama, descalça, mas dentro de uma aconchegante camisa de dormir de
flanela, que lhe chegava aos joelhos. Foi até a janela e desviou os estores
para espreitar para a rua em baixo. O seu apartamento ficava no quarto andar». In James
Rollins, A Cidade Perdida, Bertrand Editora, 2015, ISBN 978-972-252-930-3.
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