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Cantares
do Sem-nome e de Partidas (1995)
«[…]
Rios de rumor: meu peito te
dizendo adeus.
Aldeia é o que sou. Aldeã de
conceitos
Porque me fiz tanto de
ressentimentos
Que o melhor é partir. E te
mandar escritos.
Rios de rumor no peito: que te
viram subir
A colina de alfafas, sem éguas e
sem cabras
Mas com a mulher, aquela,
Que sempre diante dela me soube
tão pequena.
Sabenças? Esqueci-as. Livros?
Perdi-os.
Perdi-me tanto em ti
Que quando estou contigo não sou
vista
E
quando estás comigo vêem aquela.
Aquela que não te pertence por
mais queira
(Porque
ser pertencente
É entregar a alma a uma Cara, a
de áspide
Escura e clara, negra e
transparente), Ai!
Saber-se pertencente é ter mais
nada.
É ter tudo também.
É como ter o rio, aquele que
deságua
Nas infinitas águas de um sem-fim
de ninguéns.
Aquela que não te pertence não
tem corpo.
Porque corpo é um conceito
suposto de matéria
E finito. E aquela é luz. E
etérea.
Pertencente é não ter rosto. É
ser amante
De um Outro que nem nome tem. Não
é Deus nem Satã.
Não tem ilharga ou osso. Fende
sem ofender.
É vida e ferida ao mesmo tempo, ESSE
Que
bem me sabe inteira pertencida.
Ilharga, osso, algumas vezes é
tudo o que se tem.
Pensas de carne a ilha, e
majestoso o osso.
E pensas maravilha quando pensas
anca
Quando pensas virilha pensas
gozo.
Mas tudo mais falece quando
pensas tardança
E te despedes.
E quando pensas breve
Teu balbucio tréulo, teu
texto-desengano
Que te espia, e espia o pouco
tempo te rondando a ilha.
E quando pensas vida que esmorece.
E retomas
Luta,
ascese, e as mós do tempo vão triturando
Tua esmaltada garganta... Mas
assim mesmo
Canta! Ainda que se desfaçam
ilhargas, trilhas...
Canta o começo e o fim. Como se
fosse verdade
A
esperança».
[…]
Hilda
Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa Duarte, Literatura
brasileira século XX, Wikipédia.
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