jdact
1293.
Meia-noite. Ilha de Sumatra, Sueste Asiático
«Os gritos tinham cessado por fim.
Doze fogueiras ardiam na baía à meia-noite. Il Dio, li perdona...,
sussurrou o pai ao seu lado, mas Marco sabia que o Senhor não lhes perdoaria aquele
pecado. Um punhado de homens esperava ao lado de dois escaleres puxados para a praia,
as únicas testemunhas das piras funerárias sobre a lagoa escura. Quando a Lua nasceu,
os doze navios, enormes galeras de madeira, foram incendiados com os tripulantes
ainda a bordo, tanto os mortos como os poucos desgraçados que ainda viviam. Os mastros
das embarcações apontavam flamejantes dedos acusadores ao céu. Flocos de cinza
incandescente caíam como chuva sobre a praia e sobre aquelas poucas testemunhas.
A noite recendia a carne carbonizada. Doze navios, murmurou o tio Masseo, apertando
o crucifixo na mão fechada, o mesmo número dos apóstolos do Senhor.
Pelo menos os gritos dos torturados
tinham terminado. Agora, apenas o crepitar e o rugido baixo das chamas chegavam
à margem arenosa. Marco queria desviar o rosto daquela cena. Outros não eram
tão corajosos e ajoelharam-se na areia, de costas voltadas para a água e rosto pálido
como a cal. Estavam todos nus. Cada um revistara quem estava ao seu lado à procuta
de qualquer sinal da mancha. Até a princesa do Grande Khan, que por recato se encontrava
de pé atrás de um pedaço de pano de vela, usava apenas a tiara enfeitada com
jóias. Marco reparou na sua figura graciosa através do pano, iluminado por trás
pelas fogueiras. As aias da princesa, também nuas, tinham-na revistado. Chamava-se
Kokejin, ou princesa Azul, uma virgem de dezassete anos, a mesma idade de Marco
quando partiu de Veneza. Os Polos tinham sido incumbidos pelo Grande Kuan da
missão de a entregar em segurança ao seu noivo, o Khan da Pérsia, neto do irmão
de Kublai Khan. Tudo isso acontecera numa outra vida.
Tinham mesmo passado apenas quatro
meses desde que a tripulação da primeira galera adoecera, exibindo vergões nas virilhas
e nas axilas? A doença propagou-se como óleo a queimar, esvaziando as galeras de
homens capazes e levando-os àquela ilha de canibais e feras estranhas. Nesse
mesmo momento, ouviam-se tambores na selva escura. Mas os selvagens tinham bom senso
suficiente para não se aproximarem do acampamento, como o lobo que se afasta
das ovelhas doentes ao sentir o cheiro a putrefacção e decomposição». In James
Rollins, A Herança de Judas, 2007, Bertrand Editora, 2018, ISBN
978-972-252-977-8.
Cortesia de BertrandE/JDACT