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«(…) O aumento da
população permitia formar grandes exércitos, baseados na instauração do serviço
militar universal, prática que se difundiu rapidamente de país a país, a partir
do exemplo dado pela Alemanha. Entre 1870 e 1896 os efectivos militares desse
país triplicaram, chegando a três milhões de homens; os da França igualaram esse
número, os da Rússia ultrapassaram quatro milhões e os da Áustria os dois
milhões. No mesmo período, as despesas correspondentes à defesa nacional das
principais potências europeias aumentaram em mais de cinquenta por cento.
Paralelamente, os militares galgavam os lugares mais altos na escala do
prestígio social, e a vida nos quartéis era evocada como um afastamento
benéfico das vicissitudes e incertezas do mundo do trabalho e dos negócios. A
despeito da sua curta duração, o conflito franco-prussiano de 1870-1871 havia
representado um passo adiante no sentido da guerra total. Nunca antes o Estado
e a população de uma sociedade se haviam empenhado daquela forma numa luta de
morte contra o Estado e a população de outra. Dizia-se que os dois povos mais
organizados e nacionalistas da Europa tinham chegado a degolar-se mutuamente. Nessa
guerra, para a qual as duas potências mobilizaram quase três milhões e meio de
soldados, as baixas por todos os motivos foram de cerca de 450 mil, e no
transcurso das hostilidades foi introduzida uma novidade aterradora: o
bombardeio de cidades indefesas.
O que estimulava o
negócio das armas para alentar a paz armada era a difusão das ideias do nacional
militarismo, com a sua conjugação de realismo político com a exaltação do
poder. Como se sabe, um dos fenómenos ideológicos mais singulares da segunda
metade do século XIX foi a conversão do nacionalismo de cunho liberal, surgido
com a Revolução Francesa na condição de ideário do direito das nacionalidades, num
pensamento reaccionário que opunha a nação à democracia, e se incumbia de auspiciar
a expansão imperialista. A força e o sagrado egoísmo eram os traços
característicos de uma nova concepção da nação. A vibração patriótica se
difundia por todo o corpo social, convertendo-se, de certo modo, numa das
formas de reacção colectiva diante dos fenómenos nascidos da unificação económica
do mundo. Esta vibração levaria centenas de milhares de jovens aos campos de
batalha com uma atitude de júbilo festivo.
O nacionalismo de tom
patriótico encontrou um aliado inesperado no progresso da educação e no
surgimento da imprensa de massa. Não se verificou a presunção liberal de que
esses progressos deveriam conduzir à formação de uma opinião pública bem
informada que actuasse para conter os ímpetos discricionários e belicosos de
reis, generais e diplomatas; com efeito, estes encontrariam novos pretextos para
os seus jogos de poder. A lógica capitalista não se atraiçoava: os lucros de
muitas empresas jornalísticas cresceriam à medida que inflamavam as emoções dos
leitores e seus preconceitos étnicos, religiosos e nacionais. A legitimação do
léxico do poder constituía uma das notas características da época. O que
políticos ou governantes estavam naturalmente dispostos a fazer encontraria
respaldo valioso na argumentação exibicionista de filósofos e cientistas.
Conforme a recomendação de um estadista austríaco, ecoando lições de
Treitschke, tratava-se de que quem tivesse poder decidisse conservá-lo,
utilizando-o em seu proveito. O filósofo Walter Bagehot afirmava: as nações mais
fortes tendem a prevalecer sobre as outras, e em certos aspectos notáveis a mais
forte tende a ser a melhor.
Para uma geração que
vivia sob o extraordinário impacto intelectual da Origem das Espécies, era
inevitável a extensão das ideias de Darwin ao campo social e político. O poder e
a força seriam critérios irrecorríveis da verdade. A conversão do conceito de
nação ao nacionalismo com certeza não teria sido possível, pelo menos com a virulência
com que ocorreu, sem a irrupção, com respaldo científico, de um novo elemento
da cultura política da época: a ideia de que na vida do homem a competição não
podia ser considerada qualitativamente diferente da existente na natureza. Esse
nacionalismo, fortemente comprometido com a corrida armamentista, se combinava
com um pensamento belicista que, por sua vez, crescia com a contribuição de
diferentes vertentes. Este era o raciocínio dos que viam a guerra como uma
fatalidade, à qual era necessário ajustar-se com realismo mais ou menos
resignado, assim como dos que proclamavam a sua conveniência e estavam
dispostos a dar-lhes as boas-vindas. Uns argumentavam que o flagelo tinha
raízes na agressividade intrínseca da natureza humana, sendo portanto irredutível.
Outros diziam que se tratava de um factor adequado para proteger ou restaurar a
saúde das sociedades; segundo Renan, era a chicotada que impede que um país
adormeça e que obriga a mediocridade a sacudir a sua apatia». In Norman
Angell, A Grande Ilusão, Universidade de Brasília, 1987, tradução de Sérgio
Bath, Colecção Clássicos, ImprensaOE, EditoraUB, InstitutoPesquisaRI, São
Paulo, 2002, ISBN 857-060-089-5.
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