«Estava
escuro, mas senti que havia alguém
ali assim que abri a porta do celeiro. Olá? Minha voz ecoou nas vigas. Olá? Esperei
um momento e fiquei ouvindo. Nada. Mas eu não estava sozinha, não precisava de
bruxaria para saber disso; havia alguém ali, alguém vivo e que respirava – e
perceber isso me deixou com os cabelos da nuca em pé. Um longo e alto som agudo
rompeu o silêncio e eu pulei, mas era só a porta do celeiro balançando
lentamente atrás de mim, a madeira húmida rangendo com o movimento. Então ela
fechou com uma tranca e a escuridão invadiu o espaço amplo. Eu não estava com
medo: se eu não enxergava nada, ele também não. Fiquei parada esperando. O
golpe atingiu-me em cheio, acertou-me com tanta força que eu cambaleei e vi
estrelas. Caí contra uma viga de madeira e me agarrei a ela, mantendo-me erecta
enquanto tentava reunir forças para um contrafeitiço. Sl..., balbuciei, mas a explosão de luz foi muito rápida e me
jogou de joelhos sobre a palha.
Naquele
breve e ofuscante segundo eu o vi, em pé sobre uma viga no centro do celeiro. A
localização oferecia vantagens, mas era perigosa. Por um minuto fiquei deitada
no chão imundo do celeiro, certa de que ele se preparava para mais um ataque. Então,
saltei. Ábréoðe!, gritei. Houve um estalo ensurdecedor da viga sobre a qual
ele estava, seguido de um barulho de ossos quebrando e um grito de dor quando
um corpo se chocou contra o chão. Fiquei parada, arfante, esperando para ver se
ele se levantava. Ele não se levantou e, por um momento, me senti triunfante.
Então, fios formando uma rede sufocante começaram a cair da escuridão, colaram nas
minhas mãos, meus olhos, minha boca. Quanto mais eu me debatia, mais os fios se
colavam, como uma gigantesca teia de aranha que me prendia. Em pânico, disparei
maldições inúteis a torto e a direito, contrafeitiços que não faziam nada além
de queimar a minha pele e rasgar as minhas roupas. Ouvi uma risada debochada
tremular na escuridão, e a fúria cresceu dentro de mim. Unwríð!
Os
fios que me prendiam queimaram e eu concentrei toda a minha fúria numa lança de
raiva, que disparei pela escuridão na direcção da risada. Acertei: ouvi o grito
de dor. Agora era a vez de ele ficar na defensiva. Tirei proveito da minha vantagem
e acertei de novo e de novo, golpeando-o com cada grama de magia que conseguia
dominar. Mas eu estava a ficar cansada, e ele não. Eu sentia a sua energia e a
força da sua magia enquanto o desconhecido resistia aos meus golpes. Então ele
começou a abrir caminho pelo chão do celeiro na minha direcção. Eu concentrava-me
em não machucá-lo, mas em mantê-lo afastado. E não conseguia. Ele me empurrava
para trás, para trás, até as minhas costas tocarem a madeira rústica da parede
do celeiro. Ele estava tão perto que eu podia sentir a estática da sua magia, o
calor da sua pele, sentir o seu suor. Não!, arfei.
Contudo, era tarde demais, eu estava
encurralada num canto e ele, a centímetros de distância, esmagava-me. Senti
quando ele se inclinou, mais e mais perto na escuridão abafada. Era o fim. Ele
havia vencido. Tudo bem, disse, com a voz tremendo de exaustão. Tudo bem, eu...
A mão dele segurou o meu ombro, a outra agarrou o meu cabelo, e ele me beijou. Por
um minuto não tive reacção, fiquei ali parada, devastada, sem nenhuma defesa, e
consenti o seu beijo. Tudo que conseguia pensar era no calor da sua boca macia,
na força rígida do seu corpo, na rispidez da pele sem barbear em contacto com a
minha. Por um longo, longo minuto, não fiz nada além de ficar parada, tremendo,
enquanto ele me beijava. Só quando senti a sua mão escorregar para baixo da
minha blusa que a lucidez retornou. Uma forte explosão de magia estremeceu o
celeiro. Seu corpo foi jogado para trás, bateu contra a parede oposta com um
estrondo terrível, seguido de um silêncio absoluto». In Ruth Warburton, Uma
Bruxa Solitária, 2012, LeYa Editora, 2015, ISBN 978-854-410-195-7.
Cortesia de LeYaE/JDACT