terça-feira, 30 de abril de 2019

Obra Poética Reunida (1950-1996). Hilda Hilst. «Tem nome veemente. O Nunca Mais tem fome. De formosura, desgosto, ri e chora. Um tigre passeia o Nunca Mais…»

Catarina
Cortesia de wikipedia e jdact

Cantares do Sem-nome e de Partidas (1995)
«[…]
E por que, também não doloso e penitente?
Dolo pode ser punhal. E astúcia, logro.
E isso sem nome, o despedir-se sempre
Tem muito de sedução, armadilhas, minúcias
Isso sem nome fere e faz feridas.
Penitente e algoz:
Como se só na morte abraçasses a vida.

É pomposo e pungente. Com ares de santidade
Odores de cortesã, pode ser carmelita
Ou Catarina, ser menina ou malsã.

Penitente e doloso
Pode ser o sumo de um instante.
Pode ser tu-outro pretendido, teu adeus, tua sorte.
Fêmea-rapaz, ISSO sem nome pode ser um todo
Que só se ajusta ao Nunca. Ao Nunca Mais.

O Nunca Mais não é verdade.
Há ilusões e assomos, há repentes
De perpetuar a Duração.
O Nunca Mais é só meia-verdade:
Como se visses a ave entre a folhagem
E ao mesmo tampo não
(E antevisses
Contentamento e morte na paisagem).

O Nunca Mais é de planícies e fendas.
É de abismos e arroios.
É de perpetuidade no que pensas efémero
E breve e pequenino
No que sentes eterno.

Nem é corvo ou poema o Nunca Mais.

Tem nome veemente. O Nunca Mais tem fome.
De formosura, desgosto, ri
E chora. Um tigre passeia o Nunca Mais
Sobre as paredes do gozo. Um tigre te persegue.

E perseguido és novo, devastado e outro.
Pensas comicidade no que é breve: paixão?
Há de se diluir. Molhaduras, lençóis
E de fartar-se,
O nojo. Mas não. Atado à tua própria envoltura
Manchado de quimeras, passeias teu costado.

O Nunca Mais é a fera».
[…]

Hilda Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa Duarte, Literatura brasileira século XX, Wikipédia.

Cortesia de Wikipedia/JDACT