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«(…)
O homem observava o jovem Howard Carter havia meia hora. Elegante, fino, tinha
um rosto severo e um olhar inquisidor. Howard, aproveitando um dia bonito,
tinha colocado o cavalete num campo onde uma égua amamentava o seu potro; o
Norfolk beneficiava de um fim de Verão excepcional, e oferecia cem temas de
quadros. Aos dezassete anos, o jovem seguia o rasto do pai e contava tornar-se
como ele, pintor animalista; em vez de o mandar para a escola da terra,
tinha-lhe ensinado a ler, a escrever, a desenhar e a pintar; cavalos e cães
eram os motivos principais. Embora tivesse irmãos e irmãs, sentia-se filho
único, só ele era capaz de receber a mensagem do artista; de lhe perpetuar a
descendência e de provar que podia viver da sua arte. Por isso trabalhava com
perseverança, encarniçando-se a aperfeiçoar o mínimo pormenor. Embora tivesse
nascido em Londres, no bairro de Kensington, a 9 de Maio de 1874, Howard Carter
passara a sua infância em Swaffham, uma pequena aldeia cuja calma verdejante
amava.
Na
véspera à noite, tinha-se produzido uma espécie de milagre pela primeira vez,
um dos seus quadros quase o satisfazia. O cavalo cabriolava, os seus olhos riam,
vivia; era verdade que faltava finura às suas patas e que a cabeça deveria ser
aperfeiçoada. Mas a mão tornava-se firme: a profissão manifestava-se. O homem
colheu um cólquico que enfiou na botoeira, e deu alguns passos em direcção ao
adolescente que se levantou e o olhou sem baixar os olhos, espezinhando a sua
educação. Continuou a sua marcha lenta através da erva, não receando manchar de
verde o seu belo fato de aristocrata, e parou em frente da aguarela que examinou
estendendo o pescoço como uma ave de rapina. Interessante concluiu. Chama-se,
ao que julgo, Howard Carter? O jovem detestava as maneiras dos ricos: entre
eles, quantos salamaleques, para se dirigir a palavra. Ao inferior, bastava dar
ordens num tom desdenhoso. Não o conheço. Não é da aldeia.
Uma
vez que não há ninguém para nos apresentar, à excepção daquela bonita égua
ocupada noutras tarefas, fique sabendo que me chamo Percy Newberry, e que temos
uma amiga comum. Teria a amabilidade de me desenhar um pato? Ele estendeu uma
folha de papel. Mas... Porquê? A nossa amiga comum, lady Amherst, que mora no
palácio vizinho, falou-me de si como de um pintor notável. Comprou três telas
suas. A sua égua pode considerar-se perfeita, mas um pato, é outra coisa... Furioso,
Howard pegou no papel e, em menos de cinco minutos, esboçou um pato de pescoço verde,
de grande perfeição. Lady Amherst tinha razão; aceitaria desenhar e colorir,
para mim, gatos, cães, gansos e uma quantidade de outros animais?
A
desconfiança do artista permanecia intacta. Será, por acaso, coleccionador? Professor
de egiptologia na universidade do Cairo, no Egipto. É longe, não é? Muito
longe. Londres ainda é mais perto. Porquê Londres? Porque a nossa bela capital
alberga o British Museum; gostaria de o levar lá. O maior museu do mundo..., o
pai tinha-lhe falado nele muitas vezes. Talvez um dia, algum dos seus quadros
lá fosse exposto! Não tenho dinheiro. A viagem, o alojamento... Está combinado.
Aceita deixar a sua família e o seu país durante um mês..., três meses? As
andorinhas brincavam no céu; na orla da floresta, um picanço depenicava a casca
de um carvalho. Abandonar Norfolk, separar-se dos irmãos, despedaçar a
infância... Atirou com o cavalete. Quando partimos?
Vários
meses de trabalho ininterrupto, debruçado sobre a sua mesa, a reproduzir
hieróglifos onde figuravam não só animais mas também seres humanos, objectos,
edifícios, sinais geométricos e muitos outros aspectos dessa língua que os
Egípcios consideravam como sagrada: como um escriba, Howard Carter aprendia a
desenhá-la antes de a compreender; traçar essas palavras de autoridade
transformava-lhe a mão e o pensamento. Respeitava escrupulosamente os modelos que
o professor Newberry lhe facultava; a pouco e pouco, aprendera a escrever como
os antigos tinham escrito». In Christian Jacq, L’Affaire Toutankhamon, O
Caso Tutankhamon, tradução de Maria Carlota Guerra, Bertrand Editora, 1998,
ISBN 972-250-750-8.
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