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«(…) Levai-me à presença d'el-rei! As duas sentinelas levaram-no
até junto da maior tenda, a única com dois mastros, e pediram-lhe que
aguardasse. Desapareceram no interior e tornaram a surgir acompanhados de um
escudeiro que conduziu Egas Moniz pela abertura. O jovem Afonso VII
encontrava-se sentado no seu trono de campanha, que se resumia a um cadeirão de
madeira. Trazia a espada à cinta e três cavaleiros da sua escolta quedavam-se
de pé, junto dele. Folgo em rever-vos, Egas Moniz. Ou deveria dizer, em
conhecer-vos? Afinal, da última vez que vos vi, ainda o conde Henrique vivia e
eu era novo demais para que o vosso rosto me tivesse ficado na lembrança. É,
para mim, uma honra ser recebido por vós, meu rei e senhor. Egas tossicou e
acrescentou: seria pedir demais que proseássemos a sós? Afonso olhou para os
cavaleiros, indeciso. O senhor de Ribadouro acrescentou: encontro-me desarmado.
Abriu a capa que o cobria: se vos quiserdes certificar... Por Deus, Egas,
lançou o rei e ordenou aos cavaleiros: aguardai lá fora! Os homens dirigiram-se
contrariados para a saída. Alteza, começou Egas, é minha intenção evitar um
mal-entendido, que pode ter consequências catastróficas. E, no fundo, tudo isto
é escusado... Escusado?, ecoou o monarca indignado.
Bem, escusado no sentido em que viestes cercar a cidade
errada, não é verdade? Era impressão de Egas Moniz, ou Afonso ruborizava
ligeiramente? O jovem soberano reflectiu por uns momentos e retorquiu: são por
demais conhecidas as intenções rebeldes dos senhores portucalenses. E é vosso
primo o regente do condado? Não. Mas chegou-me aos ouvidos que ele é venerado
pelos mais poderosos. E que se intitula infante, ou mesmo príncipe! Com que
direito? Ele será, no máximo, um conde, e isso, só quando substituir sua mãe. Ficará, para sempre, um vassalo da
coroa leonesa, como o seu pai antes dele. É isso mesmo que pretendo que fique
claro entre nós. Aclarando a garganta, Egas retorquiu: aqui entre nós, alteza,
vosso primo é um infanção versado, de bom coração, a quem meu irmão Ermígio e
eu próprio demos uma educação esmerada. Mas é também orgulhoso e, desculpai-me
a franqueza, casmurro que nem um asno! Reconheço que as cousas andam enredadas,
no nosso condado. Mas recordo que a regente é dona Teresa. Vosso primo não tem
autoridade para assumir o compromisso da vassalagem. Prestando-vos agora
homenagem, poderia, mais tarde, anular a validade do juramento. El-rei
quedou-se pensativo, tamborilando com as pontas dos dedos no braço do cadeirão.
Depois, declarou: há verdade nas vossas palavras, Egas Moniz. Esqueçamos a
homenagem! Fiquemo-nos por uma prova da sua amizade, como primos, ambos netos
do falecido imperador. Ficai a saber que prezo muito meu primo e nada me daria
mais satisfação do que gozar da sua amizade, assegurando a sua colaboração, em
tempos vindouros.
Muito bem, alteza. E de que guisa seria dada essa prova? Gostaria
que meu primo me acompanhasse no regresso à Galiza, para que nos conhecêssemos
melhor... Ele até poderia subscrever alguns dos meus diplomas, provando a sua
afeição. Egas respirou fundo: se eu vos prometer que ele irá convosco, poreis
fim ao cerco? Imediatamente. Dou-vos, então, a minha palavra, meu rei e senhor.
Num primeiro momento, Afonso descarregou a sua fúria,
amaldiçoando Egas Moniz por ter ido falar a el-rei sem o seu conhecimento e
pela promessa feita. Mas aquilo que, à
primeira vista, parecia significar uma submissão da sua parte, poderia assumir
contornos favoráveis para si. Principalmente, depois de Soeiro Mendes Sousa
considerar que o facto de seu primo fazer questão da sua amizade era a prova de
que o jovem monarca considerava a causa de dona Teresa perdida. Afonso reflectiu.
E julgou perceber o que levara seu primo a pôr cerco a Guimarães. Dona Teresa
insistia em considerar a Galiza como sua parte da herança. Ora, se Afonso VII
conseguisse captar a fidelidade do infante, matava dois coelhos com uma
cajadada: livrava-se das exigências da tia e assegurava um colaborador. Por seu
lado, Afonso só tinha a ganhar com esta história: convencia o primo das suas
boas intenções, sem, ao mesmo tempo, lhe prestar vassalagem, pois ainda não
possuía autoridade para tal. Uma simples promessa de amizade não tinha qualquer
valor legal». In Cristina Torrão, Afonso
Henriques, O Homem, Edição Ésquilo, 2008, ISBN 978-989-809-249-6.
Cortesia de EÉsquilo/JDACT