quarta-feira, 1 de maio de 2019

Afonso Henriques. O Homem. Cristina Torrão. «Dos olhos verdes de Fernão Peres Trava emanava uma mistura de raiva e desespero. Deixámo-nos antecipar. El-rei, com aquela cara de sonso, saiu-nos melhor do que a encomenda»

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«(…) Além disso, o facto de el-rei se contentar com uma solução que salvava a honra das partes, sem resolver o problema de fundo, agradava a Afonso, fazia-o sentir-se em vantagem, neste primeiro contacto entre eles sem a interferência de terceiros.

A viagem dos dois primos à Galiza ficou marcada pela boa disposição. E foi com sincera satisfação que Afonso Henriques, a 13 de Novembro de 1127, confirmou com a sua assinatura três importantes diplomas de seu primo el-rei Afonso VII, em Santiago de Compostela. Era o seu primeiro acto de soberania como representante do condado Portucalense, relegando a sua mãe e Fernão Peres para uma posição secundária.

Dos olhos verdes de Fernão Peres Trava emanava uma mistura de raiva e desespero. Deixámo-nos antecipar. El-rei, com aquela cara de sonso, saiu-nos melhor do que a encomenda. Selou amizade com o teu filho, que lhe confirmou documentos importantes. O que, por sua vez, animou Afonso, pois vem exercendo actos de soberania, elaborando forais e cartas de couto de sua própria iniciativa, sem nos ter tidos nem achados. Nem a nossa confirmação ele procura obter! Dona Teresa sentia-se fatigada, naquele serão invernoso, e nem a fogueira a aquecia. O prestígio de Afonso aumentava de dia para dia. Como se não lhe bastasse o apoio dos barões portucalenses, também o conde galego Afonso Nunes Celanova o apoiava agora abertamente. E, embora o irmão deste, cunhado do próprio Fernão Peres, continuasse do lado deles, o terceiro irmão, Sancho Nunes, governador da terra de Ponte de Lima e casado com Sancha Henriques, filha de dona Teresa, mantinha-se aliado dos ricos-homens de Entre Douro e Minho.
Promoveste a investidura de cavaleiro de teu filho, acrescentou Fernão Peres, julgando que, por um lado, o cativavas e que, por outro, impressionavas el-rei teu sobrinho. Pois, acabaste em casamenteira! Os dois primos perderam-se de amores um pelo outro! Dona Teresa esfregava as mãos geladas. Como se não chegassem todos estes contratempos, sentia-se mal, desde o início daquele Inverno tão frio. O cansaço e o nervosismo provocavam-lhe, por vezes, falta de ar. O que a assustava, como se o seu fim estivesse próximo... Ainda não falara disso a ninguém, nem sequer a Fernão, pois não se deixaria abater. E, se os aliados lhe fugiam, iria ao encontro deles: tentemos chegar a acordo com Afonso! Perante o olhar de assombro do amante, acrescentou: já recuperei aliados julgados perdidos em situações bem mais adversas. E, quanto mais não fosse, poderíamos levá-lo a assinar um pacto de não-agressão, o que nos permitiria ganhar tempo. Depois de uma curta reflexão, ele reconheceu: nada temos a perder...

O Inverno parecia não ter fim, nem o aproximar da Primavera exercia influência no tempo. Em pleno mês de Março, nevava em Vila Nova de Paiva, perto de Viseu, o local escolhido para o encontro entre os representantes das duas partes. Afonso veio acompanhado dos conselheiros habituais: Soeiro e Gonçalo Mendes, Ermígio e Egas Moniz, Lourenço e Afonso Viegas. Dona Teresa tinha do seu lado o seu mordomo-mor, Egas Gosendes Baião, e alguns cavaleiros de Coimbra, fiéis a Fernão Peres. Tomaram-se medidas governativas em comum, elaborando um documento confirmado por representantes de ambas as partes. Mas as conversações decorriam frias e os barões portucalenses hesitavam em assinar um pacto de não-agressão.
Afonso observava a sua mãe, cujo semblante não lhe agradava. Nunca a vira tão pálida. E os olhos cansados não irradiavam o brilho habitual. Fosse por o cansaço dela o comover, fosse por a achar vulnerável, disposta a aceitar o que ele lhe impusesse, pediu para falar a sós com ela. Uma vez sozinhos, Afonso teve a impressão de que a rainha tentava ensaiar um sorriso. Sem o conseguir. Teresa parecia incapaz de disfarçar a frieza com que sempre encarava o filho. O príncipe aclarou a garganta e declarou: bem podemos assinar documentos em comum e trocar palavras amáveis. Estas soarão sempre ocas, serão sempre de circunstância... O problema de fundo permanece. Porque fizestes amizade com vosso primo? Porque Guimarães e as suas gentes sofriam, enquanto vós e o vosso amante se encontravam a salvo, em Coimbra. Olvidastes as minhas exigências quanto à Galiza?» In Cristina Torrão, Afonso Henriques, O Homem, Edição Ésquilo, 2008, ISBN 978-989-809-249-6.

Cortesia de EÉsquilo/JDACT