segunda-feira, 13 de maio de 2019

Dez Anos Depois… Natália Correia. «Ela tinha, na altura, uma vida tripla: de intelectual, de política e de mulher de sociedade. Ia jogar bridge no Estoril com as senhoras bem, e roleta no casino existente no hotel do marido»

Cortesia de wikipedia e jdact

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As Noites do Botequim
«Última grande tertúlia de Lisboa, proporcionava a comunhão com pessoas de espírito e ousadia, fundamental para se evitar a cultura desvivenciada, lembrava, pois só quando se está muito na vida se pode transmiti-la aos outros. As divisões da casa onde Natália viveu e morreu eram harmoniosas, amplas, quinto andar sóbrio, sólido, paredes e decoração espessas, paralelo à Avenida da Liberdade, junto ao Marquês de Pombal. Ecos de vozes no exterior, estalidos de madeiras no interior, reposteiros de veludo, estantes de vibrações, objectos de memórias davam-lhe uma sedução inesquecível, a sedução da passagem do tempo, do adensar das sombras, da finitude, da decadência. Um dia vim aqui visitar uns amigos e a sua atmosfera atraiu-me logo, conta-me. Eles foram-se embora e este espaço esteve muito tempo devoluto, como que à espera de eu me casar e o alugar. Casou-se e alugou-o.
Alfredo Machado Lage (o único homem que verdadeiramente amei, confidenciará) tornou-se o seu terceiro marido. Deixou o andar onde residia com a mãe, a irmã, uma criada, a Menina Esmeralda (alugara-o a meias com Vera Lagoa), e mudou-se. Hóspede e amigo da mãe, Cardoso Mata, um bibliófilo afamado, ceder-lhe-ia a sua gigantesca biblioteca (avaliada em mais de dez mil contos), que Natália compraria e enriqueceria.

Vida Tripla
Ela tinha, na altura, uma vida tripla: de intelectual, de política e de mulher de sociedade. Ia jogar bridge no Estoril com as senhoras bem, e roleta no casino existente no hotel do marido. Foi a mãe que a introduziu nos meios da oposição, conta-me, uma semana antes de falecer, Tomás Ribas, o maior e mais antigo, e fiel, e crítico, e profundo amigo da poetisa. A Natália, que casara muito jovem com Álvaro Santos Dias Pereira, esteve para se consorciar com o senhor Machado pouco depois de o ter conhecido. Chegou até a dar uma festa de despedida de solteira..., mas quando pensávamos que era ele o noivo, apresentou um americano que acabara de encontrar, chamado Billy. Casou-se e partiu com ele para os Estados Unidos, país que detestou. Foi nessa altura que escreveu o livro Descobri que era europeia. Meses mais tarde divorciou-se e regressou. Radicada em Lisboa, Natália toma-se colaboradora do semanário O Sol , depois de ter passado pelo Rádio Clube Português, onde trabalhou com a irmã e onde eram conhecidas como as Meninas Balalaikas.
Relaciona-se com Ferreira Castro, Maria Archer, António Sérgio, Manuel Fonseca, Jaime Cortesão, Manuel Lima, Cesariny, Rogério Paulo, Almada, tomando-se, a partir daí, presença irrecusável entre intelectuais, artistas e políticos. Acusavam-me, continuam a acusar-me de tanta coisa, de ser promíscua, de ter relações com homens e mulheres..., o problema é que eu quase não tenho libido. Mesmo em nova, o sexo nunca representou grande coisa para mim. Sempre gostei, por outro lado, de homens mais velhos do que eu..., ora nesta altura, com a idade que eles têm, já não funcionam, confidenciava com indisfarçável pudor, era, aliás, muito púdica no que dizia respeito à sua intimidade. A maior parte das pessoas apenas viam em mim a fêmea, o corpo, só depois percebiam que eu tinha ideias, talento. Isso maçava-me muito, e revoltava-me. Depressa deixará de se preocupar com o corpo. A beleza, a elegância perdidas não pareciam melancolizá-la. Uma vez por semana a cabeleireira ia arranjá-la a casa, pormenoriza-me Helena Cantos, sua amiga de juventude. Não comprava roupas e os vestidos eram feitos pela porteira. Quando morreu houve até dificuldade em escolher um em bom estado, para a amortalharmos. Levou o azul escuro, de veludo, que envergava nas ocasiões de maior cerimónia». […] In Fernando Dacosta

In Natália Correia, Dez Anos Depois…, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Secção de Estudos Franceses do DEPER, 2003, ISBN 972-935-080-9.

Cortesia de FLUPorto/SUF/DEPER/JDACT