Cortesia
de wikipedia e jdact
[…]
As
Noites do Botequim
«Última grande tertúlia de
Lisboa, proporcionava a comunhão com pessoas de espírito e ousadia, fundamental
para se evitar a cultura desvivenciada, lembrava, pois só quando se está muito
na vida se pode transmiti-la aos outros. As divisões da casa onde Natália viveu
e morreu eram harmoniosas, amplas, quinto andar sóbrio, sólido, paredes e decoração
espessas, paralelo à Avenida da Liberdade, junto ao Marquês de Pombal. Ecos de
vozes no exterior, estalidos de madeiras no interior, reposteiros de veludo,
estantes de vibrações, objectos de memórias davam-lhe uma sedução inesquecível,
a sedução da passagem do tempo, do adensar das sombras, da finitude, da decadência.
Um dia vim aqui visitar uns amigos e a sua atmosfera atraiu-me logo, conta-me. Eles
foram-se embora e este espaço esteve muito tempo devoluto, como que à espera de
eu me casar e o alugar. Casou-se e alugou-o.
Alfredo Machado Lage (o único
homem que verdadeiramente amei, confidenciará) tornou-se o seu terceiro marido.
Deixou o andar onde residia com a mãe, a irmã, uma criada, a Menina Esmeralda
(alugara-o a meias com Vera Lagoa), e mudou-se. Hóspede e amigo da mãe, Cardoso
Mata, um bibliófilo afamado, ceder-lhe-ia a sua gigantesca biblioteca (avaliada
em mais de dez mil contos), que Natália compraria e enriqueceria.
Vida
Tripla
Ela tinha, na altura, uma vida
tripla: de intelectual, de política e de mulher de sociedade. Ia jogar bridge
no Estoril com as senhoras bem, e roleta no casino existente no hotel do
marido. Foi a mãe que a introduziu nos meios da oposição, conta-me, uma semana
antes de falecer, Tomás Ribas, o maior e mais antigo, e fiel, e crítico, e
profundo amigo da poetisa. A Natália, que casara muito jovem com Álvaro Santos
Dias Pereira, esteve para se consorciar com o senhor Machado pouco depois de o
ter conhecido. Chegou até a dar uma festa de despedida de solteira..., mas
quando pensávamos que era ele o noivo, apresentou um americano que acabara de
encontrar, chamado Billy. Casou-se e partiu com ele para os Estados Unidos,
país que detestou. Foi nessa altura que escreveu o livro Descobri que era
europeia. Meses mais tarde divorciou-se e regressou. Radicada em Lisboa,
Natália toma-se colaboradora do semanário O Sol , depois de ter passado pelo
Rádio Clube Português, onde trabalhou com a irmã e onde eram conhecidas como as
Meninas Balalaikas.
Relaciona-se com Ferreira Castro,
Maria Archer, António Sérgio, Manuel Fonseca, Jaime Cortesão, Manuel Lima,
Cesariny, Rogério Paulo, Almada, tomando-se, a partir daí, presença irrecusável
entre intelectuais, artistas e políticos. Acusavam-me, continuam a acusar-me de
tanta coisa, de ser promíscua, de ter relações com homens e mulheres..., o problema é que eu quase não tenho libido. Mesmo em
nova, o sexo nunca representou grande coisa para mim. Sempre gostei, por outro
lado, de homens mais velhos do que eu..., ora nesta altura, com a idade que
eles têm, já não funcionam, confidenciava com indisfarçável pudor, era, aliás,
muito púdica no que dizia respeito à sua intimidade. A maior parte das
pessoas apenas viam em mim a fêmea, o corpo, só depois percebiam que eu tinha
ideias, talento. Isso maçava-me muito, e revoltava-me. Depressa deixará de se
preocupar com o corpo. A beleza, a elegância perdidas não pareciam melancolizá-la.
Uma vez por semana a cabeleireira ia arranjá-la a casa, pormenoriza-me Helena
Cantos, sua amiga de juventude. Não comprava roupas e os vestidos eram feitos
pela porteira. Quando morreu houve até dificuldade em escolher um em bom
estado, para a amortalharmos. Levou o azul escuro, de veludo, que envergava nas
ocasiões de maior cerimónia». […] In Fernando Dacosta
In Natália Correia, Dez Anos Depois…, Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
Secção de Estudos Franceses do DEPER, 2003, ISBN 972-935-080-9.
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