Cortesia
de wikipedia e jdact
Vaticano.
19 de Abril de 2005
«(…) Um baque violento empurrou a
porta para trás. Alguém abrira com pontapé juntando mais essa amolgadela às
mazelas incontáveis. A lâmpada deixou de iluminar nesse preciso momento como um
protesto solidário. Raios, praguejou o agressor, ligando e desligando o
interruptor, colado na parede ao lado da porta, com impaciência. Às tantas, a
caprichosa lâmpada condescendeu às intenções do homem. Estava a ver que não,
rezingou. Entrou na sala numa afirmação de pujança. Eu quero, posso e mando.
Atitudes muito acertadas, pois desconhecia-se alguém que estivesse a controlar
os passos dele. Acercou-se da cadeira, pegou nas costas e ergueu-a uns centímetros.
Depois deixou que as pernas da cadeira batessem no chão em uníssono. Aguentaria.
Ao lado da cadeira estava um pequeno saco negro para o qual o agressor se limitou
a olhar. Tudo pronto. Saiu durante alguns minutos e deixou a porta aberta. A lâmpada
ameaçou extinguir-se mas quando o homem regressou iluminava a cadeira como era
o seu dever. Arrastava alguém que parecia inanimado e sentou-o na cadeira. Era
um homem de idade, bastante maltratado. A princípio foi difícil mantê-lo
sentado, pois nem sequer tinha forças para se segurar e tendia a cair para a
frente. O agressor segurava-o com uma mão na testa. Tinha tempo. À medida que o
idoso recuperava a consciência ia também conseguindo equilibrar-se melhor.
Estava em muito mau estado.
Uma venda impedia-o de ver o
local bem como o carrasco. Sangue seco pintava-lhe a comissura dos lábios, uma
réstia de agressões recentes. Um hematoma marcava o pescoço e indiciava
asfixiamento. Este velhote fora torturado metódica e barbaramente. Tossiu um
pouco para desobstruir as vias respiratórias mas até isso lhe custava. Estava
dorido um pouco pelo corpo todo. O agressor encarou a tosse como um regresso à
consciência. Estava pronto. Debruçou-se sobre o saco e abriu-o. Quem está aí?, questionou
o velho com uma voz alvoroçada. Porque me estão a fazer isto? Fora tão ingénuo.
Atendera a um pedido de um amigo que conhecera que precisava da tradução de um
pergaminho. Na manhã seguinte enfiara-se num avião e, quando aterrou no local
indicado, vira estrelas em vez de caracteres impressos num pergaminho amigo.
Uma pancada forte na nuca que o deitou por terra. Nunca chegou a ver quem o
atacou. Vendaram-no e continuaram a maltrata-lo. Não saberia dizer quantos eram
os vândalos, podia até ser apenas um, nem qual o motivo. Oferecera dinheiro, o
pouco que tinha, mas aparentemente não era dinheiro o que queriam. No meio do
desespero tentou manter a serenidade. As faculdades mentais eram a única coisa
que lhe restava, mas até isso perdeu momentaneamente com uma pancada mais
forte. Acordou sentado na cadeira e pressentiu alguém a remexer em qualquer
coisa junto aos seus pés.
Eu não tenho nada que possa ser
de interesse. Sou professor, levo uma vida honesta. Tenham dó. O agressor
levantou-se. Na mão trazia uma seringa e um frasco. Espetou a agulha no topo plástico
do frasco e sugou o líquido incolor. Retirou o ar pressionando o manipulo até
sair uma gota pela ponta da agulha. Deixou cair o frasco que se estilhaçou em
mil pedaços de vidro. Fitou o velho vendado que se calou como que prenunciando
o pior. As regras são simples. Eu pergunto e o senhor responde. Qualquer alteração
a este princípio terá consequências, entendido?, bradou-lhe agressor.
Dois
livros publicados?, perguntou-lhe Francesco, enrolado nos lençóis da cama da
suite do oitavo andar do Grand Hotel Palatino, em Roma. É. Agora deixam
qualquer um publicar livros, brincou ela retirando importância à pergunta. Como
é que arranjaste informações tão importantes sobre o Vaticano?, questionou o
italiano a olhar o tecto branco. Tens de conhecer alguém com excelentes relações
lá dentro. Sarah pensou nos dois anos anteriores e em como haviam sido
demasiado intensos. Descobrira coisas que nunca imaginara sobre assuntos que,
até essa altura, não lhe despertavam o mínimo interesse. Podia considerar-se
douta sobre assuntos do Vaticano, versada em João Paulo I e II, Albino Luciani
e Karol Wojtyla, sem que tivesse levantado um dedo para que isso acontecesse». In
Luís Miguel Rocha, A Mentira Sagrada, Porto Editora, 2011, ISBN
978-972-004-325-2.
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